Em tempo de festas, ser solidário a quem está de luto é gesto de amor e respeito

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É tempo de desejar “boas festas!”, receber mensagens com votos de felicidade, paz e amor. De brindar com familiares e amigos. De planejar celebrações e entrega de presentes. A proximidade do Natal e Ano Novo trazem um clima festivo ao dia a dia, geram empolgação em muita gente, que concentra grande parte de suas atenções nos preparativos para as datas. Mas cada pessoa vive o seu momento e nem todas encaram a ocasião com ar tão comemorativo. É o caso de muitas pessoas que estão em luto e que, independentemente ao tempo que perderam um ente querido, ressignificaram formas de encarar a vida.

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A ONG Amada Helena, fundada em Gravataí, desenvolve um trabalho de apoio e conscientização sobre o luto. A instituição foi criada por Tatiana Maffini após o falecimento de sua filha, Helena, em 2012, 17 dias depois do nascimento. Hoje, a ONG forma uma rede de assistência às famílias, é responsável por eventos e campanhas para informar sobre o tema, seja para ajudar os enlutados ou as pessoas que convivem com eles.

Tatiana Maffini, fundadora da ONG Amada Helena, e a família. Foto: Cleber Brauner

A diretora da Amada Helena, bem como a psicóloga Ana Maria Dall’Agnese e algumas mães em luto conversaram com a reportagem do Giro de Gravataí acerca dos sentimentos e comportamentos frente às festividades de final de ano.

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“O mundo é de dentro para fora”… Então respeite os seus limites e os dos outros

A psicóloga Ana Maria Dall’Agnese destaca que as datas comemorativas dessa época do ano são encaradas de diferentes formas por quem está em luto. “Para quem perdeu alguém querido e está de luto, é sempre difícil a sintonia com o clima festivo e com os incessantes apelos para que tudo pareça bem. Nada está bem ou no lugar quando nos falta um ser amado”, afirma.

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Aos que passam por essa situação, ela recomenda a compreensão e aceitação dos próprios sentimentos. “Costumo dizer que ‘o mundo é de dentro para fora’ e se por dentro estiver tudo mais triste, a realidade também ficará sem a graça e o colorido de antes. Saiba que é natural se sentir deslocado, sem ânimo e, por vezes, até sem paciência diante das situações que ignoram a sua dor. Não há nada de errado em se sentir assim”, salienta.

Segundo a psicóloga da ONG Amada Helena, o enlutado deve procurar respeitar seus limites. “Faça apenas o que é possível e isso inclui dizer às pessoas queridas que talvez não consiga participar dos festejos, de que prefere ficar mais recolhido, de que precisa de um tempo para se recompor da dor da falta. E se por acaso quiser se juntar aqueles que estão comemorando, deixe claro que está mais emotivo, de que talvez saia antes da festa ou de que está mais quieto e que, apesar de tudo, quer ficar próximo aos seus”, aconselha.

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Ana Maria explica que o respeito de quem está próximo ao indivíduo em luto também é fundamental, inclusive para ajudá-lo durante o processo. “Nenhum enlutado quer ‘estragar a festa’ de ninguém; ele apenas não consegue entrar no clima, pois está com a cabeça e o coração voltados para aquele que se foi.  Sua energia está concentrada em entender como será sua vida sem aquela pessoa tão importante. Seus planos, o sentido das coisas e da vida está sendo repensado e isto exige tempo, calma e segurança. As pessoas que convivem com os enlutados são fundamentais para que o processo de luto seja menos solitário e penoso”, frisa.

Pais em luto participam de ações da ONG em honra à memória dos filhos. Foto: Divulgação

De acordo com a psicóloga, amigos e familiares podem ajudar ofertando apoio, afeto e tranquilidade. “Se você for da rede de apoio de algum enlutado, saiba que o fato ‘dele não ser mais como era antes’, não tem a ver com ‘falta de vontade’ ou ‘de não se esforçar para ficar bem’; tem a ver com muita tristeza, com falta, com saudade, com medos, dúvidas”, esclarece.

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“E não precisa fazer de conta que nada aconteceu ou evitar o assunto da perda, ao contrário, pergunte ao enlutado o que ele quer fazer, o que ele está pensando, como está se sentindo para o final de ano e se você pode fazer alguma coisa para ajudar. E faça isso de coração aberto, olhando nos olhos. Não há declaração de amor maior do que respeitar a dor daqueles que a gente ama, ficando ao seu lado sem julgar e sem exigir nada em troca”, acrescenta.

Enlutados, não se culpem!

Para algumas pessoas em luto, qualquer tipo de celebração pode ser vista como um desrespeito ao ente que faleceu. Ao mesmo tempo, é possível que se sinta desconfortável por não estar preparado para participar da comemoração com a família e amigos. Mais uma vez, é importante que cada um respeite os seus limites.

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“Os enlutados, algumas vezes, se culpam por não estar no clima da festa, e outras vezes, por se sentirem alegres – ‘como posso estar feliz se perdi tal pessoa?’. Esta oscilação faz parte do entendimento da perda e da ressignificação da sua vida sem aquele que partiu. O melhor jeito de ajudar é não julgar. É ficar junto, escutar, apoiar, proteger e, lembre-se, de só emitir opinião sobre o que acha que a pessoa deve ou não fazer, se tiver intimidade ou for convocado para isto”, relata a psicóloga.

“Meio feliz, meio triste”

Onze anos após a morte da filha, Tatiana Maffini conta que o Natal segue uma data “meio feliz e meio triste”, devido às vivências atuais e recordações. “Eu mudei para Gravataí no dia 23 de dezembro de 2011, com muitos sonhos. E pouco tempo depois, estava tudo desfeito. O pinheiro que uso hoje foi o comprado no primeiro ano após a morte da Helena. Acho que até essa situação reflete um pouco da minha vida. Vejo meus dois filhos felizes olhando as cores da árvore, mas o que esperávamos era ter três crianças ali, assim como na mesa de jantar, nas viagem aos avós […]”, diz.

Helena, filha de Tatiana. Foto: Arquivo Pessoal

A fundadora da ONG revela que, nessa época do ano, a família procura celebrar o que deseja manter em sua vida. “Não quer dizer que o Natal tenha que ser somente alegria e amor. Aceitar que tudo faz parte da nossa história com nosso filho, inclusive a tristeza da ausência deles, nos ajuda a respeitar o que sentimos e nos cuidar. Quem nos ama verdadeiramente vai entender, que no Natal ou em qualquer dia do ano, vamos permanecer pais e mães e amando nossos filhos que não estão mais aqui”, ressalta.

“Ouça o coração e faça o que te deixa em paz”

Para Jucelia Gomes, Natal remete à família reunida. Este será o nono ano sem a presença física do filho Rafael, que faleceu aos 20 anos, e ainda é difícil. “Ainda que todas as datas do primeiro ano sejam muito cruéis, com o passar dos anos, vamos ‘criando mecanismos’ e ‘buscando formas’ de passar esse período de festividades. No primeiro Natal, eu decidi que não faríamos troca de presentes, pois seria difícil vivenciar a cena de não entregar o presente dele. Minha família apoiou, como em tudo que eu fiz e faço em relação ao Rafael. Minha mãe foi até o correio de nossa cidade e pegou, numa grande pilha, uma cartinha enviada para o Papai Noel. Coincidentemente, constava o nome de um menino de 5 anos, chamado Rafael. Levamos alimentos e um Chester para a família dele e brinquedos. Foi gratificante”, recorda.

As lembranças acompanham Jucelia, que aconselha outros pais em luto a ouvirem seus corações e fazerem somente o que lhes traga paz. “É bem difícil, mas não é impossível! Não existe ‘uma receita’ de como agir na perda de um filho. Assim como quando nos tornamos pais, não há um manual de como criá-los. A gente vai pelo instinto, pelo coração, pelo que acreditamos ser o correto”, afirma. “Permita-se sentir a dor, mas honre a vida do seu filho enquanto você o sentiu e conviveu com ele. Eu mantenho o meu filho vivo entre nós porque não deixo de falar nele e nem de fazer as coisas que ele amava. Foi assim que consegui ‘celebrar’ entre todas as datas comemorativas, principalmente o aniversário do meu filho Renan, que é irmão gêmeo do Rafael”, relata ao encorajar mães e pais enlutados.

“O tempo passa, o coração acalma”

Ter um filho era um sonho para Renata Bertuoul. A gravidez era planejada. “Em 2022, eu engravidei depois de um ano e meio tentando. Foi uma gestação linda, sem nenhum problema. Organizamos a nossa vida para receber o Bernardo. Tínhamos muitos planos para nosso 2023 com ele em nossas vidas. Em janeiro de 2023, a data prevista de parto era dia 22, mas em uma consulta de rotina tivemos a nossa pior notícia: ele tinha partido. Os dias que vieram foram os piores”, descreve.

Os pais de Bernardo receberam ajuda psiquiátrica e psicológica e buscaram apoio na família e num centro espírita. “Foi muito difícil. Eu queria entender o que tinha acontecido. Nosso bebê era perfeito. Como isso poderia acontecer conosco? Mas com a passagem do tempo, o coração acalmou”, comenta. A dor existe, no entanto, Renata procura focar no amor e, após pensar sobre as confraternizações de final de Natal, ela e o marido decidiram que passarão em família. “Sei que vai ser difícil e possivelmente vou chorar. Eu sonhava que este ano o Natal seria regado a risadas de bebê”, conta. Em homenagem a Bernardo, o casal fez tatuagens que falam sobre amor.

Tatuagem que Tamara Schumacher fez em honra à filha Lívia. Foto: Arquivo Pessoal

“Ressignificar as dores e transformar em amor”

Em honra à memória de Lívia, os pais tatuaram o carimbo do pezinho dela e pretendem fazer uma ação social na época em que completaria um ano. “Penso que não nos entregarmos ao breu do luto também é uma forma de homenageá-la. Lívia é luz, amor e é assim que queremos seguir”, afirma a mãe, Tamara Schumacher. Ela relata que nesse processo doloroso têm contado com apoio da ONG Amada Helena, além de fazer acompanhamento psicológico e buscar pessoas empáticas, que não invalidam a sua dor.

“Descobri a gravidez em agosto de 2022. A alegria foi imensa! Logo fizemos uma surpresa para contar aos familiares e amigos próximos. Ao longo do tempo, a gestação foi complicando e a Lívia lutou muito para viver. Ficamos quase 40 dias internadas tentando segurar ao máximo a gestação. Nossa pequena era bastante serelepe dentro da barriga, mas tinha várias restrições. Com isso, ela nasceu de seis meses, pesando 450 gramas e com 26 centímetros. Lutou bravamente na UTI neonatal por 32 horas até que partiu. Lívia nos deixou de colo vazio, com um buraco enorme, que faz muita falta todos os dias. Mas, ao mesmo tempo, nosso coração é cheio de amor por ela!”, diz Tamara.

Na rede de apoio, os pais têm encontrado força e empatia. “Começamos a ressignificar as dores e transformar em amor. Procuro espaço para falar da nossa história e a ONG Amada Helena é um lugar seguro para isso. Aos poucos, fui compreendendo que levar nossa história poderia ser benéfico para que outros pais tenham o mesmo acolhimento que tivemos”, explica a mãe da menina. Tamara lembra que no final do ano passado, a filha estava na barriga, mas este ano, o sentimento de vazio deve tomar conta no Natal e Ano Novo. “Mas, como diz a Tati (Tatiana Maffini): nossa história lembra mais amor do que dor. Então é com o sentimento de amor e saudades que passaremos nossas festas, junto com a família”, destaca.

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