- Especial
- 26 de março de 2024
Inédito em Gravataí, projeto aborda com crianças a expressão de sentimentos no luto
“Nos dias, nas semanas e nos meses seguintes, os animais recordaram muitas histórias vividas com a raposa. E o peso da saudade que sentiam no peito foi diminuindo. Quanto mais se lembravam dela, mais a árvore crescia e ficava bonita, até se tornar a mais alta da floresta. Uma árvore feita de lembranças e repleta de amor”.
Esse é um trecho do livro “A Árvore das Lembranças”, cuja história foi contada para alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Vinícius de Moraes, em Gravataí, nesta terça-feira (26/3). A obra infantil de Britta Teckentrup, traduzida para o Português por Marília Garcia, é a inspiração para o mais novo projeto da ONG Amada Helena.
A partir da narrativa, na qual a personagem central (a raposa) morre e os amigos (demais animais) passam a lidar com memórias e os sentimentos desencadeados pela perda, a ONG propôs que temas correlatos ao luto, tristeza, ansiedade, medo e técnicas para recuperar a calma e o bem-estar, além de formas de expressar o que é sentido fossem abordados com crianças, nas escolas.
O Projeto Árvore das Lembranças, inédito em Gravataí, foi lançado este mês. Estudantes da EMEF São Marcos foram os primeiros a participar. Hoje, a ação envolveu cerca de 30 alunos da Vinícius de Moraes. Ao todo, a proposta atenderá oito instituições de ensino ainda no primeiro semestre. Segundo a diretora e fundadora da ONG Amada Helena, Tatiana Maffini, a iniciativa foi viabilizada com recursos de edital do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e atende alunos de 7 a 11 anos.
O projeto é coordenado pela assistente social Flávia Rott, que acompanha os encontros e auxilia os alunos e educadores em casos de encaminhamentos necessários para atendimentos em outros órgãos e materiais de apoio para atividades escolares sobre o tema. As atividades contam ainda com a participação da psicóloga Gabriela Gehlen, responsável pela condução do bate-papo com as turmas, e da assistente social Zeni de Moura, que supervisiona, na parte final da atividade, a confecção de uma árvore de lembranças e uma cápsula do tempo, que será resgatada após quatro meses, em uma nova roda de conversa.
Dinâmica do encontro na escola
O Giro de Gravataí acompanhou o encontro promovido pela ONG Amada Helena na EMEF Vinícius de Moraes. As atividades começaram com a leitura do livro “A Árvore das Lembranças”. Logo após, a psicóloga perguntou aos alunos do que se tratava a história, introduzindo a temática do projeto. Foi proposto que as crianças desenhassem, escrevessem ou fizessem ambas as tarefas, expressando algo sobre a perda de um ente querido ou animal.
Em roda, a garotada respondeu de forma espontânea aos questionamentos de Gabriela. A psicóloga indagou, por exemplo, do que eles tinham medo; o que lhes causava ansiedade; se ficavam com raiva às vezes; atitudes que tinham quando estavam nessas situações; se a saudade era boa ou má; se chorar era bom ou ruim. Nos apontamentos, a profissional explicava que cada pessoa tem o seu jeito de sentir e perceber formas de superar momentos difíceis. Gabriela também deu dicas para as crianças quando se sentissem ansiosas e reforçou que expressar emoções é uma coisa muito positiva.
Em outro momento, o trabalho de cada estudante foi colocado na cápsula do tempo. Esse material será resgatado daqui a quatro meses, quando a equipe da ONG retorna à escola para outro bate-papo. As crianças terão a oportunidade de falar sobre o que desenharam ou escreveram e como se sentem em relação a situação retratada. A turma também confeccionou uma árvore de lembranças, em alusão ao livro, e a deixou exposta na instituição de ensino. Nos próximos meses, os alunos poderão incluir nessa árvore registros relacionados a quem sentem saudade.
Hoje, também participaram das atividades com os estudantes a vice-diretora da escola, Kellen Oliveira, e a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Patrícia Gauterio Dias. Cada instituição contemplada pelo projeto receberá um exemplar do livro.
Desmistificar o assunto
Um dos objetivos da ONG Amada Helena é mostrar que não há problemas em falar sobre morte e luto, inclusive com as crianças. O diálogo, aliás, é benéfico, uma vez que estimula a expressão dos sentimentos. Por meio das informações repassadas pela psicóloga, os estudantes, na medida em que o bate-papo flui, vão se sentindo mais à vontade para falar de emoções após a morte de alguém próximo ou de algum animal.
“Alguns não vão falar da sua experiência, mas vão falar do que sentem, como ansiedade e raiva. Na conversa, a gente vai buscando esses sentimentos e associando que tudo isso faz parte do luto; como é a forma saudável de expressar; e como eles podem manejar as emoções nesses momentos em que estão mais vulneráveis”, afirma Gabriela.
Com exemplos lúdicos, a psicóloga recomendou às crianças que não reprimam o que sentem. “Quando o Shrek arrota, ele diz uma frase. Quem lembra? Ele diz ´melhor para fora do que para dentro´. Com isso, ele nos ensina que é melhor botar o sentimento para fora do que guardar. Então, quando a gente está muito alegre, é bom compartilhar. Quando estamos ansiosos, é bom compartilhar. E quando estamos tristes e com vontade de chorar, devemos chorar também”, disse.
Fotos: Priscila Milán/Giro de Gravataí