Entrevista | Augusto Licks, ex-guitarrista do Engenheiros do Hawaii, fala de projetos e sua Infinita Highway

Entrevista | Augusto Licks, ex-guitarrista do Engenheiros do Hawaii, fala de projetos e sua Infinita Highway
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Os jornalistas André Valdez e Guilherme Dely entrevistaram o músico Augusto Licks, ex-guitarrista do Engenheiros do Hawaii, com exclusividade para o Giro de Gravataí. O bate-papo ocorreu após o show realizado no Garage 80’s, no dia 30 de abril, em Alvorada.  Licks, que também é jornalista, falou sobre suas influências, início da carreira, projetos futuros e sua Infinita Highway, agora de forma solo.

A entrevista

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Como e quando começou tua relação com a música?

Augusto Licks – “Foi escrita uma biografia minha por jornalistas de São Paulo, Fabricio Mazocco e Silvia Remaso, no livro ‘Contrapontos’. Ali há um relato bem detalhado de como a música foi se incorporando na minha vida. Resumidamente, diria que em Montenegro, onde nasci e vivi até o início da adolescência, tive a felicidade de ser educado em casa e na escola com a noção de que música é uma coisa boa, nunca um problema. Em palestras que fiz pelo Brasil, essa é a noção principal que procuro compartilhar com as pessoas.

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Sendo o caçula de uma família que teve cinco filhos e três filhas, muito absorvi de uma variedade musical caseira, desde coisas que tocavam num rádio valvulado ou nos alto-falantes das lojas vizinhas a cânticos da colônia alemã e rodas de violão que o Seu Pereira, um cancioneiro local, proporcionava a meus irmãos e irmãs, a pedido de meu pai, que sempre deixou um pequeno violão à disposição de quem se habilitasse a usá-lo.

Meu irmão José Rogério levou muito a sério aquele ambiente e mergulhou no universo da bossa nova dos anos 60. Certa vez, em Porto Alegre, antes de partir para uma longa viagem pela América Latina, ele me ensinou algumas posições no violão e algumas músicas inteiras, que consegui aprender e que segui praticando, o que me proporcionou um pequeno domínio sobre o instrumento. Nos últimos anos em Montenegro, cheguei a ir a alguns bailes, onde, muito tímido, me limitava a observar e ouvir o conjunto musical. Em Montenegro, na minha época, tinha o ‘2001’, mas, às vezes, também vinham de cidades vizinhas como o Boogaloo, de São Leopoldo, e Os Inocentes, de Novo Hamburgo.

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Na adolescência, em Porto Alegre, estudando no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, assisti a vários conjuntos num festival ‘pop’ no ginásio. Naquela época, 1971/72, não se dizia ‘banda’. Em 73, fui fazer intercâmbio nos Estados Unidos, perto de Nova York, e durante todo um ano tive a oportunidade de conhecer um acervo enorme de música de todos os gêneros, absorvendo conteúdos desde Andrews Sisters, folk rural, rockabilly, 50’s, protesto dos anos 60, folk urbano, country rock, rock inglês e muito blues. De volta a Porto Alegre, muito impregnado das coisas que vi e ouvi em Nova York, comecei a conhecer um pouquinho da música urbana porto-alegrense com expoentes pioneiros como Carlinhos Hartlieb, Bixo da Seda, Bebeto Alves.

Em seguida, conheci o Nico Nicolaievsky e o Silvio Marques, que formaram o Saracura com Chaminé e Gatinha, depois Pezão. Entrando pra faculdade, Comunicação Social da UFRGS, passei a conviver musicalmente com gente de outros cursos, incluindo também intercambistas como o Boina (Luiz Carlos Galli) e o Nei Lisboa. Na época, eu integrava um grupo de canções de conteúdo social, liderado pelo jornalista Carlos Mosmann, o sociólogo Bolívar e o assistente comunitário Jari. Era o puro exercício de algo misterioso e onírico que me compensava todas as insuficiências e dificuldades da vida. Não me passava pela cabeça que pudesse algum dia ser músico profissional.”

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Por que a escolha pela guitarra?

Augusto Licks – “Ainda em Montenegro, terceiro ano do primário, a professora Eunice Kautzman criou um mini CTG com danças típicas e nos levou para uma apresentação no programa ‘Parque Infantil’, da TV Gaúcha, canal 12. Na ocasião, lembro de avistar um grupo de rapazes empunhando objetos brilhantes e coloridos, que pareciam algum tipo de instrumento musical.  Depois me contaram que eram guitarras elétricas. Ainda pequeno, aprendi com meu irmão a usar um palito de fósforo na extremidade das cordas de violão, o que gerava um som mais estridente e agudo, semelhante a uma guitarra elétrica.

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Anos depois, no Ginásio Industrial, nas aulas de marcenaria, meu colega Luis Fernando Gallas construiu uma guitarra. Depois, um outro colega apareceu com uma semiacústica do ‘Sing Out’, e aí vieram bailes onde podia ouvir o som amplificado. Na rádio, eu conseguia reconhecer o timbre das Giannini Super Sonic, usadas pelos Incríveis, até que um dia fui convidado pra ver o ensaio de um novo conjunto, Enigma, e vi de perto uma Super Sonic ligada num amplificador ‘Tremendão’. Aqueles contatos imediatos foram construindo em mim algum anseio não muito-consciente, apenas imaginário.

Logo que cheguei em Porto Alegre, ainda tinha vínculos fortes de amizade em Montenegro. Amigos como Serginho Diefenthaler e o primo Suluca, junto com o baterista Paulinho, acharam que poderíamos formar uma banda pra tocar num festival em São Sebastião do Caí e que eu poderia tocar guitarra. Eu nem instrumento tinha, apenas arranhava alguma coisinha no violão. No local, pudemos tocar com instrumentos emprestados. Ali, improvisando um solo ao vivo sem nunca ter feito antes, acho que bateu de vez a fissura, tinha que dar um jeito e conseguir uma guitarra. O Ratinho do 2001 queria vender sua SS e comprar uma Snake. Colocou o histórico instrumento nas minhas mãos, mas me assustei com o peso do objeto e seu ‘karma’, avaliei que seria sempre a guitarra do Ratinho. Então o Suluca me apresentou um primo que tinha uma Begher, linda toda de mogno envernizado, e foi o que consegui comprar depois muito tempo guardando trocados. Claro que guitarra sozinha não adiantava, iria ter que amplificá-la e aí tive que me virar improvisando soluções até que tempos depois consegui comprar finalmente um amp Phelpa usado em Porto Alegre.”

Como entrou na banda do Nei Lisboa? Ainda mantém contato com ele?         

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Augusto Licks – “Sim, tenho contato com o Nei. Eu não ‘entrei na banda do Nei’. Nas rodas da UFRGS, ele e eu formamos uma dupla: Nei Lisboa e Augusto Licks. Como dupla, chegamos a fazer dois shows comerciais: ‘Deu Pra Ti Anos 70’, acompanhados por Glauco Sagebin, Everson Oliveira, Luizinho Santos e Luiz Ewerling, e depois o ‘Só Blues’, que apresentamos no bar do IAB, e também em São Paulo e no Rio de Janeiro. Antes do ‘Só Blues’ e depois do ‘DPTA70’ formamos trio com o Glauco, depois um trio com o Boina no show ‘Verde’. Depois, Boina e Glauco se juntaram ao baixista alemão Kubilai Thommas Ünner, o “Kubi”, num quinteto que se apresentou em Canoas e em eventos como o ‘Cio da Terra’. Em 1982, o Nei iniciou sua carreira solo, com as primeiras gravações em estúdio em fitas que tocavam na antiga rádio Bandeirantes FM (depois Ipanema FM) e com o show ‘Vem Comigo Nesse Barco Azul’, que teve direção musical de Léo Ferlauto e que tinha como banda de apoio o Glauco, eu, o baixista Lúcio Vargas e o baterista Fernando Paiva. Essa gente toda viajou a São Paulo em julho de 1983 para gravar o primeiro disco do Nei, o LP ‘Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina’, que é o título de uma de nossas parcerias.”

O que ouve atualmente?

Augusto Licks – “Ao longo da vida, desde a infância e adolescência, acho que fui uma espécie de esponja, absorvendo tudo que se passava ao redor, embora não comprasse discos e fitas, não tinha dinheiro, então ouvia emprestado ou de ‘raspão’. Mas, a partir da vivência nos Estados Unidos, a quantidade de informação musical foi muito grande e muito intensa, eu não ouvi absolutamente tudo, mas ouvi muitas, repetidas vezes, uma variedade de coisas dos gêneros que já citei.

A partir do momento em que comecei a lidar com músicas autorais, deixou de ser importante ‘estar atualizado’, pois foi se consolidou em mim a importância de expressar algum depoimento musical, mesmo que, às vezes, apenas instrumental, sem palavras. Hoje em dia, eu escuto coisas aleatoriamente, como forma de entender melhor alguns processos e contextos envolvendo o ‘fazer música’, aproveitando o lado útil da tecnologia da informação, sem me deixar tragar pela TI. Claro que, vez por outra, dou uma escutadinha em coisas de que fala a minha filha.”

Como situa o estágio do rock atualmente?

 Augusto Licks – “Rock era um contexto musical associado a juventude, a rebeldia, a inovação de costumes. Com o passar das décadas, aquela juventude e seus contextos envelheceram. Jovens de hoje, na diferenciação geracional, consideram rock uma coisa ‘de velho’. Só que o rock não morreu, como dizem alguns. Sementes irão brotar, como na canção de Luiz Fughetti Luz, pois sua definição e identificação passa por um instrumento chamado ‘guitarra’, e que mundo afora é ‘guitarra elétrica’, pois lá fora violão é ‘guitarra’. E é um instrumento orgânico, que responde a todo tipo de manipulação de quem o utiliza. Hoje acontece muito ‘revival’, ‘reunion’, nostalgia, entre outras coisas que atendem à carência de quem foi jovem tempos atrás. Mas acredito que passado esse momento, gerações jovens irão ‘descobrir’ a guitarra elétrica, de formas diferentes de gerações passadas, num contexto social diferente, obviamente sobrecarregado de TI, e numa centelha de algo assim, o mercado musical irá detectar e irá fazer dinheiro com tal ‘nova onda’, como sempre acontece.”

Gosta da música feita no país atualmente?

Augusto Licks – “O Brasil é muito rico em diferentes vertentes musicais. Antes da internet comercial começar, em 1995, havia muito desconhecimento de partes desse imenso acervo devido a uma centralização mercadológica por um determinado gênero musical ou outro, passando pelo filtro redutor do eixo Rio-SP. Com a internet, isso mudou e já há algum tempo qualquer pessoa com um celular pode ouvir música de qualquer parte do mundo, e fazer escolhas próprias. Tem muita gente fazendo depoimentos musicais de qualidade, é só escolher algum gênero e vai se encontrar gente até demais, impossível de assimilar tudo que se produz musicalmente hoje, é um poço sem fundo. Falando em fundo, claro que muita música produzida é superficial, repete clichês, pouco ou nada oferece de novo, mas tem bastante música gerada a partir de esforço, de um mergulho fundo, pra só depois ser mostrada na superfície, que é onde ela pode ser conhecida.”

Sabendo que você faz parte da história do rock nacional, quais serão os rumos da virtuosa guitarra Licksianica?

 Augusto Licks – “Tenho um histórico de vivências ao longo de décadas, especialmente com Nei Lisboa e depois sendo um dos integrantes da banda Engenheiros do Hawaii, além de compor trilhas para teatro e cinema. Nos anos anteriores à pandemia, formei um duo acústico com meu irmão José Rogério, o ‘LICKS Blues’, que teve início em Porto Alegre, na Sala de Música do Theatro São Pedro, e que foi levado a cidades do Centro do país. E também houve a inauguração de um outro duo, de canções, chamado ‘Transz it’ com Edu Prestes.

Durante a pandemia, dada a impossibilidade de eventos presenciais, escrevi artigos, postei algumas ‘Animas’, temas em apoio às pessoas em geral na dura realidade da quarentena, e me despertou a necessidade de uma solução alternativa, individual. Me animou a experiência de cantar na gravação de ‘Só Uma Vez’, do projeto coletivo ABQNE (A Banda Que Nunca Existiu). Para este ano de 2023, além de atender convites para encontros com fãs e shows ‘tributo a Engenheiros’, o projeto é gravar canções do Transz it e também de um trabalho solo. Há poucas semanas, concluí minhas primeiras gravações no ano, a trilha original para um filme norte-americano, previsto para ser anunciado agora em maio.”

Deixa um recado para quem está iniciando na música.

Augusto Licks – “Confie nas suas limitações, nas suas manhas e manias, são elas que desenham a sua personalidade através da expressão musical. Não se deixe impressionar tanto por aquilo que outros fazem, não caia na armadilha de ver alguém tocando virtuosisticamente um instrumento e se abater por não conseguir fazer a mesma coisa. Tocar milhares de notas impressionam os mais jovens, mas não constituem música necessariamente. Às vezes, parece mais um esporte de ‘quem toca mais rápido’, poderia bem ser uma modalidade olímpica, mas música não é isso, não precisa virtuosismo pra fazer música.”

Quer saber com detalhes como foi o show no Garage 80’s? Então confere a resenha do jornalista André Valdez publicada no Giro de Gravataí em 4 de maio, neste link.

Fotos: Equipe Rodrigo Biazzi

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