André Valdez | Longe demais dos holofotes, perto dos seus fãs na Grande Porto Alegre

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Augusto Licks e Marcelo Pitz, ex-integrantes de uma das mais importantes bandas do país, Engenheiros do Hawaii, celebraram uma Infinita Highway em noite alvoradense antológica. Na despedida do mês abril, às vésperas do feriado de 1º de maio, nada mais significativo e emblemático do que celebrar esta data convocando verdadeiros trabalhadores da música para essa reunião histórica no Garage 80’s.

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Fãs saudosos, bons músicos e ícones do pop rock gaúcho e nacional, novos e veteranos admiradores da banda porto-alegrense Engenheiros do Hawaii aguardavam pacientemente por esse show. Já na entrada da casa de espetáculos, alguns jovens se acotovelavam com seus discos vinis em punho, aguardando um autógrafo nos LP’s.

Fosse o “Rock Grande do Sul”, “Longe Demais Capitais”, ambos de 1986, “Revolta dos Dândis”, de 1987, “Ouça o que eu digo, não ouça ninguém”, de 1988, ou até mesmo o “Papa é Pop”, de 1990, “Várias e variáveis”, de 1991, e o “GL&M”, de 1992, o que mais me chamou à atenção não foram os inúmeros cabeludos, alguns com tatuagens e camisetas da banda e, sim, as mais diversas faixas etárias, dos 18 aos 60 anos. Eram meninos que, certamente, sequer vivenciaram esse período em que a imprensa chamava ou rotulava as grandes bandas do país de “o primeiro escalão do rock nacional”, formado por: Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Titãs e a contestada pelos críticos e amada pelo público Engenheiros do Hawaii.

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O clima era de total celebração, um culto aos que viveram esses áureos tempos ou de quem quis ver de perto uma parte da história do pop rock do Brasil, que segue vigente e pulsante e, por isso, explica-se o grande número de jovens que nem nascidos eram quando essa trajetória começou. E para isso, saíram naquela noite de suas casas para se encontrarem e sentenciarem, de uma vez por todas, que a juventude é muito mais do que uma banda numa propaganda de refrigerantes, algo que pude atestar como testemunha ocular e ouvinte atento.

No ingresso ao espaço Garage 80’s fui bem recepcionado pelos frequentadores e pelo proprietário, Beto Camparra, que foi logo me informando onde estava uma das atrações da noite. E lá estava ele à minha espera. (Sim, eu havia solicitado um bate-papo antes da apresentação). Há muito tempo, confesso, ansiava por esse encontro com Marcelo Pitz, ou Marcelo Nascimento Fagundes. Fui logo tratando de demonstrar que sabia seu nome completo e tinha conhecimento de que Pitz era seu nome artístico da época que foi um dos integrantes da EngHaw, na qual atuou como baixista de 1985 a 1987, tendo participado, inclusive, da icônica apresentação do dia 11 de janeiro de 1985, que mudou a história do rock nacional.

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Pitz participou da coletânea “Rock Grande do Sul” e, posteriormente, da gravação do primeiro trabalho da banda porto-alegrense, “Longe Demais das Capitais”, de 1986, emplacando diversos hits, como “Segurança”, “Sopa de Letrinhas” (música de sua autoria), “Toda forma de poder”, o que rendeu um disco de ouro, algo que por si só já lhe fez entrar para história do pop rock brasileiro. Depois de sua saída da banda, Marcelo foi convidado a integrar a banda de Júlio Reny (que era outra atração da noite; falaremos mais adiante), tendo permanecido até 1991. Depois desta passagem pela Expresso do Oriente, abandona de vez as atividades como músico, frente à aprovação como estatutário da Caixa Econômica Federal. Posteriormente, aprovado em outro concurso público, torna-se servidor público da Universidade Federal de Pelotas, cidade onde mora até hoje.

Marcelo trocou os timbres graves do baixo pelo sossego e o silêncio refletivo de um cidadão comum, que sequer reivindica sua condição de alguém que fez parte, efetivamente, da história do pop rock gaúcho e do país. Trocou os palcos, a badalação dos fãs e os programas de auditórios por uma vida pacata no Sul do estado, cultivando suas plantas, fazendo música de forma amadora, levando tal atividade como um hobby, sem grandes pretensões. Tornou-se um pai zeloso e um homem distinto e muito caseiro. “Levo uma vida tranquila, me dedico à educação da minha filha, cuido das minhas plantas, preservo os passeios com meus cães. Enfim, mesmo distante dos holofotes, levo uma vida tranquila, leve e muito feliz. Ainda que esteja longe demais das capitais”, explica o ex-baixista.

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Entre uma risada e outra, entre uma revelação e outra, um fato que eu, gravataiense, não sabia. A foto que estampa a capa do disco “Longe Demais Capitais”, em que aparecem Humberto Gessinger, Carlos Maltz e próprio Marcelo Pitz em um cenário com imenso campo, foi tirada em Gravataí (muita coisa se explica ou absolutamente nada).

Durante sua apresentação, tocou duas canções: “Carecas da Jamaica” e “Toda forma de poder”. Mostrou a visível destreza com o baixo e me pareceu muito mais à vontade no palco que fora dele, considerando momentos em que demonstrou um pouco de timidez, mas que se converteram em sorrisos ao lembrar da sua efêmera e marcante passagem na banda.

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Depois do bate-papo descontraído com Marcelo e de dirimir um pouco minhas dúvidas, era hora de aguardar outra grande atração da noite: o músico gaúcho Augusto Licks, que fez história no pop rock brasileiro, quando integrou, a partir do segundo álbum, a banda Engenheiros do Hawaii. Licks permaneceu no grupo, que arrebatou uma grande quantidade de fãs, entre os anos de 1987 e 1993. Ao lado de Humberto Gessinger e Carlos Maltz, o trio GL&M, termo que batiza o último álbum de estúdio dessa formação, percorreu centenas de cidades pelo Brasil e fora do país, com diversos shows, lotando ginásios, estádios e casas de espetáculos, marcando toda uma geração de jovens em canções como “Terra de Gigantes”, “Infinita Highway”, “Parabólica”, “O Papa é Pop”, entre outros sucessos.

Augustinho estava longe dos palcos e do público desde 2020 e, nesse encontro especial e histórico, dividiu o palco com a banda cover Engenheiros Sem CREA e o músico Júlio Reny, que cantou “Guardas da fronteira”, música que está no segundo trabalho da banda, “Revolta dos Dândis”, e o próprio Marcelo Pitz, com que só havia tocado na gravação de “Carecas da Jamaica”, de Nei Lisboa.

Ao contrário de Pitz, Augusto Licks entrou na casa e foi direto para o palco, mas não sem antes, ser ovacionado pelo público que o aguardava ansiosamente, em que pese para alguns sanarem a saudade e para outros poderem ver de perto uma parte da história da MPG e do pop rock gaúcho e do Brasil. O ingresso ao palco foi com sua já conhecida timidez. Logo depois saudou a plateia com sua típica gentileza. Postou-se com a guitarra em punho, se aproximou do microfone e cantou algumas músicas de sua autoria e do período em que tinha como parceiro Nei Lisboa – destaque para “Eu visito Estrelas”, que arrebatou o público e visivelmente deixou o músico emocionado.

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Passado o momento intimista inicial da apresentação e do retorno de Licks aos palcos, era hora de o vê-lo em ação entre seus riffs e solos de guitarra e o seu característico virtuosismo. No palco, Augusto teve apoio da banda cover Engenheiros Sem CREA, que tem em sua formação o competente vocalista e baixista Sandro Trindade, Jefferson Gomes na guitarra e o baterista Geraldo Dutra. Licks revisitou todas as músicas das quais fez parte na estrutura de composição, dos álbuns “Revolta dos Dândis”, de 1987, a “GL&M”, de 1992, que foi o último com sua participação.

O show foi uma espécie de reencontro com minha adolescência. Revisitar essas canções me fez recordar de quando ouvia sozinho, trancado em meu quarto, “Variações sobre o mesmo tema”, de 1988, ou dançava “Exército de um homem só”, de 1990, ao melhor estilo guitarman incompreendido e extasiado com solo antológico de Augustinho Licks.

Sandro Trindade, vocalista da banda, deu o tom da noite com sua voz e um domínio de palco que me causou surpresa. Mas de todo o repertório, que foi de “Desde daquele dia”, de 1987, à versão em bossa nova de “Muros e Grades”, de 1991, uma das melhores da apresentação, nada me deixou mais perplexo que “Canibal vegetariano devora planta carnívora”, que integra o álbum GL&M, de 1992. Eu percebi que não era o único que conhecia o lado B da banda e, assim, não me senti sozinho. Foi uma espécie de abraço musical coletivo. Afinal, “tudo faz sentido, agora que tudo acabou, o céu andava meio caído, antes mesmo de desabar…. É um pesadelo, eu não consigo acordar…”.

Júlio Reny subiu ao palco para recordar sua participação no segundo álbum da banda, em que participa da música “Guardas da Fronteira”, de 1987.  Para findar a apresentação e encerrar com chave de ouro, Pitz foi chamado ao palco para selar a noite alvoradense histórica ao som de “Toda forma de poder”, se aventurando nos backs vocais e demonstrando que não desaprendeu suas atribuições musicais. Fez todo espaço Garage 80’s entoar em uníssono: “E o fascismo é fascinante, deixa gente ignorante e fascinada”, como se fosse um aviso profético, dito em 1986 para todo país, através das ondas radiofônicas. E para dar valia ao que fora dito naquele período, tínhamos alguém ali, naquela noite, que poderia atestar tal profecia.

“Emoção pura! Ali estavam pessoas, numa confraternização orgânica, quase um desabafo de gente que andava carente de ouvir certas sonoridades, e para mim, de certa forma, um resgate de sensações que andaram prejudicadas ou marginalizadas ao longo de anos”, definiu Augusto Licks, o grande homenageado da noite.

Para mim, fã confesso e entusiasta do assunto, foi uma noite mágica, nostálgica e afetivamente musical. Encerrado o show, hora de pegar a estrada, esta Infinita Highway, e guardar nas retinas e na memória o que vi e o que ouvi, assim como a vez em que o assisti, em 1990, no lançamento do álbum “Alívio Imediato”, de 1989 num Gigantinho lotado de esperanças, músicas e sonhos. Aliás, nada diferente do que pude presenciar neste espaço, guardadas as devidas proporções, claro. Afinal, nossos sonhos são os mesmos há muito tempo.

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