Consciência Negra: Fortalecer as memórias e conhecer as lutas para compreender a importância da reparação histórica

Consciência Negra: Fortalecer as memórias e conhecer as lutas para compreender a importância da reparação histórica
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Maria Helena Petry de Lima – Nosso país tem uma diversidade significativa, que nos faz um dos povos mais bonitos do mundo. Nos espaços escolares ouvíamos que o Brasil era um paraíso racial, pois, negros, brancos e indígenas conviviam sem problemas e formavam essa população de diversidade plural; um discurso de igualdade, muito perigoso, na minha opinião. 

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Somos um povo cheio de diferenças? Sim, mas  essas diferenças não podem significar desigualdade de oportunidades e direitos. É importante frisar que para construirmos soluções para enfrentar uma realidade, o primeiro passo é enxergá-la.

Frases como “eu não vejo cor, vejo seres humanos”, não ajudam. O grande problema não é vermos a cor, mas usá-lá como justificativa para segregar e oprimir. Que vejamos cores e que saibamos lidar com elas. 

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Também não é justo tratar os casos de racismo noticiados na mídia, como casos isolados, eles não são! 

Vinicius Júnior, jogador do Real Madrid vive constantemente episódios racistas, na Europa, assim como muitos jogadores profissionais também experimentam no  Brasil e mundo afora, reiteradas ofensas em função da cor da pele – Racismo, o que nos impressiona e emociona bastante; mas também há de se pensar no menino negro que joga na escola, no campo de futebol amador e que a cada dia em que é chamado de “macaco”, deixa um pouco da sua autoestima e da crença em si mesmo, no campo em que deveria estar somente para sonhar ou brincar.

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A empregada doméstica que denuncia o tratamento racista recebido no condomínio e ainda é questionada por ter procurado a polícia civil para denunciar e não o IBAMA é apenas um de tantos casos que acontecem e não tomamos conhecimento e só serve de exemplo para que outras não denunciem para não passar por mais humilhação. 

As crianças negras que não se enxergam em prateleiras de lojas de brinquedo onde para cada 100 bonecas brancas, encontramos uma negra. As pessoas negras que não se enxergam em cargos de liderança ou destaque, mas se veem todos os dias limpando mesas em restaurantes e limpando espaços públicos e privados. 

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Obviamente que temos muitos negros e negras também em posições privilegiadas, mas há de se ressaltar que são a minoria e que a luta deles ou das famílias por trás deles, para pertencerem aqueles espaços foi bem mais desgastante.

O rapaz que é agredido no Supermercado pelos seguranças e nos impressiona no noticiário não é só uma lamentável notícia. 

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Se você concorre a uma vaga de emprego e tem certeza de que não vai ser desclassificado(a) pela cor da pele ou pelo seu cabelo que revela características da sua cor, você é privilegiado.

Você também é privilegiado se pode entrar numa loja de chinelo e o segurança não ficar em cima, cuidando seus passos. Se você não sente medo, em razão da cor da sua pele, você é privilegiado. 

Nosso País tem a maioria da população negra. Mas os negros não são a maioria nos cargos de liderança, nas universidades, nas salas de aula de escolas particulares, no judiciário, no legislativo, no executivo e em tantos outros espaços que faltariam carácteres para enumerar. 

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O Rio Grande do Sul, tem maioria da população branca, mas, a maioria da população carcerária é negra, maioria das mulheres mortas em crimes de feminicídio são negras, maioria das pessoas mortas pela polícia são negras, maioria das crianças e adolescentes até 13 anos de idade vítimas de estupro são negras. Isso não pode ser simples coincidência. 

A maioria de nós já ouviu, geralmente em campanhas de redes sociais (e com origem em episódios racistas que nos chocam), a conhecida frase da filósofa Angela Davis que é incisiva e provoca reflexão sobre o combate ao racismo estrutural no Brasil “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”. 

E é necessário ser antirracista diariamente, praticar a igualdade que acreditamos existir diariamente, proporcionar, sempre que estiver ao nosso alcance a ocupação de espaços por pessoas negras e aqui falo de todos os espaços, não meras oportunidades de emprego. 

Certa vez uma professora me falou, olhem para os lados e reparem na cor das pessoas e nos espaços que elas ocupam. Ah os professores, sempre tão marcantes. Por falar em professores, quantos professores universitários negros vocês conhecem? Médicos, advogados, dentistas, engenheiros? Questiono isso ainda, sem adentrar na questão de onde estão as mulheres negras.

O povo brasileiro e os movimentos negros, sempre lutaram pela conquista de direitos,  e igualdade de oportunidades, mas é necessário muito mais.

Dia 20/11, celebramos o Dia da Consciência Negra e o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares. A data é em alusão ao dia em que o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi dos Palmares – figura histórica que marcou a luta pela libertação dos escravizados no Brasil – foi morto, em 1695.

Muito tempo depois o racismo ainda é uma realidade dentro das estruturas sociais do país e do mundo, motivo pelo qual trazer à luz questões como a desigualdade continua sendo tão indispensável.

Celebramos a memória negra, que foi fundamental para a construção da história do nosso país e da identidade da nossa população.

E é através dessas memórias tão significativas, que precisamos abrir os olhos à necessidade de reparação histórica. 

Segundo pesquisa do IDBR, levará 167 anos para alcançar a igualdade racial no mercado de trabalho, são três gerações vivendo essa mesma desigualdade, que só cessará com igualdade de oportunidades e a visibilidade necessária. 

Isto porque, o próprio esforço da população negra, por si só,  não é o suficiente para uma sobrevivência digna e o pertencimento a qualquer cargo ou posição, isso é só mais um da série de argumentos racistas repetidos em exaustão, para dizer que cotas não são necessárias e políticas públicas de promoção de igualdade racial não fazem sentido, pois independente da cor basta que pessoas façam por merecer para ocuparem espaços. 

Mas como fazer por merecer se as oportunidades não chegam da mesma forma para todos? E isto, de fato, acontece desde a escravidão.

Os escravos foram libertados, mas não lhes foi dado lugares dignos na sociedade, espaços como os que já eram ocupados pelos brancos, condições de moradia, educação, trabalho, etc. Por isso tão importante  a compreensão acerca da necessidade e urgência de tratarmos a pauta sob o prisma da reparação histórica, como único caminho possível a equidade. 

Tentar discursar pela invisibilidade das diferenças leva a uma falsa ideia de que todos nós, independentemente da raça/cor, gênero ou classe social, somos tratados da mesma forma.

Persistir na ideia de que somos todos iguais é uma tentativa de amenizar os preconceitos mobilizados pelas diferenças, pois sugere que todos os humanos gozam do mesmo ponto de partida, quando lá no fundo sabemos que isso só acontece nas linhas da Constituição Federal.

Que possamos, usar os dias que ainda restam do mês da Consciência Negra, para, primeiro assumir a existência do racismo estrutural, para posteriormente refletirmos e entendermos a necessidade do engajamento de todos nas lutas pela igualdade, pela preservação das memórias negras e sobretudo pela compreensão e busca de políticas públicas de equidade racial, pois só assim alcançaremos o nível de reparação ideal que colocará todos em condições de igualdade e em menos de 167 anos.

Maria Helena Petry de Lima, advogada e Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade CNEC de Gravataí.

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