- Cultura
- 29 de setembro de 2022
André Valdez | Maglore-se, um melódico spoiler musical
Em seu quinto álbum, a banda revisita uma sonoridade que nos remete às décadas 60/70 de The Mamas & The Papa’s até a fase mais psicodélica dos Beatles. Um inusitado flerte, expõe uma faceta Commodores e o retorno bossanovistic às raízes baianas evidencia a influência João Gilbertiana, demonstra que a banda não teme mudanças quando o assunto são os novos rumos sonoros.
Engana-se quem acha que só vasculho o vasto e infindável acervo da música popular brasileira atrás de preciosidades e raridades (o que não deixa de ser uma verdade). O fato é que a descoberta da novidade, do imprevisível e exponencialmente surpreendente também me fascinam.
Pois, confesso, tenho me dedicado impetuosamente a desbravar os trabalhos de duas bandas da nova cena nacional: Pop Rock/MPB/Alternativa. Uma vem da Bahia de todos santos, a outra da terra da garoa, que tem as meninas que possuem a beleza discreta das paulistanas.
Maglore e O Terno são, pra mim, o brado, um sopro de esperança nesta terra improdutiva e de mediocridade, que é dominada pelo agronegócio que ergue, ofusca e destrói coisas belas, nos condenando para todo o sempre a ficar com um fenômeno de massa, uma cena de acadêmicos, que não se graduam nunca. (Valei-me Deus!).
Vem da Bahia de Gil, da Bahia de Gal, da Bahia de Caetano e Dorival, como canta o rapper Emicida, e eu ainda complemento dizendo ser, também: a Bahia de Jorge Amado, Raul Seixas, Tom Zé, Maria Bethânia, Pitty e João Gilberto. É lá da terra onde acontece a lavagem das escadas do Bom Fim, dos desfiles dos Filhos de Ghandi e é atrás de outros blocos, que só não foi quem já não está mais neste plano. É deste lugar místico, onde nossas ancestralidades nos abraçam, que vem esses jovens soteropolitanos, revisitando velhas ou acenando com novas sonoridades em seu mais recente trabalho.
Em seu álbum V, o clima setentista fica evidenciado na otimista, esperançosa e primaveril de A vida é uma aventura, o clima beatlemaníaco toma conta, na solar Amor de Verão, a contagiante e dançante Espírito Selvagem, parece fazer mea culpa, e nos coloca novamente nos anos 70. (Controle-se pra não sair por aí, dançando sem motivos aparentes, estalando os dedos e fazendo performances nada sensuais, por conta do envolvente ataque de metais, que será ouvido durante quase todas faixas deste novo trabalho dos baianos) Talvez, segue nos fazendo dançar e a nos remeter aos áureos tempos da disco music.
Mas não é só de dança e na estética sonora de ingredientes retrôs dos anos 60/70 que baseia-se esse novo trabalho. A denunciante/denunciativa ou provocativa faixa, além de possuir um empolgante arranjo com riffs de guitarras que evidenciam a visível influência dos garotos de Liverpool neste álbum, a letra desta canção, toca em pontos nevrálgicos e muito pertinentes para esses ditos períodos obscurantistas que, infelizmente, estamos vivenciando:
“Eles fuzis e botas em altos brasões
Forjam verdades e conspirações
Raio divino exterminação, pura avareza
Eles reivindicaram nossa proteção
Mentindo sobre a própria criação
Com seu sistema podre de cifrões, tanta miséria.
Eles, eles não tem chance não
Eles não entendem o que são…”, alerta e reivindica a letra de Eles.
Em Vira Lata, o romantismo e o existencialismo se fazem presente, dando o ar da graça aos saudosistas e românticos e segue o clima, que será percebido na faixa seguinte.
Já na introdução ao melhor estilo George Harrison, uma ode ao amor Outra Vez, uma sutil lembrança a canção a Penny Lane é percebida no ataque dos metais.
Na refletiva Transicional, o romantismo e cotidiano encontram abrigo na voz de Teago Oliveira e no flerte com soul music ao melhor estilo Commodores. A história de Revés de tudo retrata, através de um suingado ska, o combativo e aguerrido Reinaldo e seus dilemas. Um clima The Mamas & The Papa’s e Abba nos brinda em Medianias, tomados de vocais que não poupam nos falsetes e vocalizes nos remetendo áureos tempos das referidas bandas.
Umas das melhores músicas deste trabalho, nos tira de um clima Yellow Submarine e nos joga de volta à Bahia e, em ares João Gilbertanianos, nos mostra que a tecnologia, quando usada na medida certa, quando bem empregada, faz da moderna Bossa nova Amor Antigo, um dos momentos mais ternos e musicalmente inesquecíveis, algo muito moderno, vanguardista e com vocais ao término desta canção que, além de lindos, são épicos.
Voltamos agora ao psicodelismo e aos lisérgicos anos 60 ao melhor estilo do repertório do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e, mais uma vez, volta a tocar em temas que denunciam o passado e relatam o presente ao lembrar dos terríveis anos de chumbo, que teve seu ápice em 1968, mas que, também, fez nascer outros movimentos que contrapôs diante do que estava posto.
A melancólica homenagem e contemplativa Para Gil e Donato revelam o clima, e a fase pela qual atravessam a banda baiana, que possui proféticos 13 anos de estrada, afinal, “eles não têm chance não, eles não entendem nem quem são”… Espero, sinceramente, que o talento juvenil da banda Maglore esteja coberto de razão. Até porque, por mais que pareça um déjà vu ou algo clichê, a vida é mesmo uma aventura, vide a aposta que faz a banda baiana, dando a cara à tapa, mudando de sonoridade a cada novo trabalho.
P.S.: a Maglore e a Banda Francisco, El Hombre, se apresentam nesta quinta-feira (29/9), às 20h30, no Bar Opinião, na capital gaúcha. E este que vos escreve estará conferindo de perto o novo trabalho da banda baiana e vai conhecer o trabalho da Francisco. Graças a minha sobrinha Franciele Valdez, que também possui um grande interesse pela MPB e suas novidades, e me presenteou com o ingresso deste show que eu tanto aguardava. Creio que tenha sido uma espécie de agradecimento por ter o bom gosto musical que ela possui, herdado do seu titio.
Serviço
Show das bandas Maglore e Francisco, El Hombre
Quando: nesta quinta-feira (29/9), a partir das 20h30
Onde: Opinião (Rua José do Patrocínio, 834), em Porto Alegre
Classificação: 18 anos
Informações e ingressos: 3211-2838 e Sympla