- Especial
- 17 de setembro de 2020
Padre Fabiano | Francys: uma pessoa, não um número
O dia hoje foi pesado. Iniciou pesado. Pela manhã, recebi a notícia do falecimento do jovem Francys Hoffmann Soares, 29 anos, mais uma vítima do novo coronavírus. Nada de número nem estatística: uma pessoa humana, que eu conhecia muito bem.
O Francys é católico – no presente, não no passado, porque ele não deixou de existir, mas agora sua existência se dá na realidade transcendental, junto de Deus – membro do CLJ – Curso de Liderança Juvenil, um movimento juvenil fundado em 1974 pelo atual bispo de Novo Hamburgo, Dom Zeno Hastenteufel.
Apaixonado por Jesus Cristo e sua Igreja, engajado no propósito de levar a outros jovens a Palavra de Deus, de mostrar o rosto jovem de Cristo, fez isso através da catequese em sua comunidade, assumindo mais de uma turma de crisma, e também sendo missionário além-fronteiras: ajudara na implantação do movimento CLJ na Diocese de Caxias do Sul.
Nasci em família católica, e participei do CLJ durante 13 anos. Como seminarista e padre sempre auxiliei no movimento porque tenho um propósito, que é o mesmo da Igreja latino-americana desde a Conferência de Puebla de 1979: opção afetiva e efetiva pela evangelização da juventude, não por desprezo às outras faixas etárias, mas por reconhecer o bem que faz na vida de um jovem a palavra do jovem de Nazaré – fez bem na minha vida e quero que faça na vida de outros jovens também.
Como padre, quero levar Jesus aos jovens para que eles tenham vida, e vida em abundância. Vida…quero levar a vida aos jovens, e hoje tive que levar o consolo aos irmãos que sepultaram o Francys – sendo que semana passada sepultaram o pai, e vinte dias atrás a vó; a mãe está entubada, e quando acordar, vai descobrir que perdeu três membros da família.
Quanta tristeza. Contudo, sei que o Francys tem vida em abundância: ele amava Jesus Cristo, fazia o bem às pessoas, era um rapaz de oração. Está, com certeza, caminhando para o céu, onde terá a vida eterna.
Apesar da tristeza de ter participado de seu sepultamento, fiquei feliz ao ver tantos jovens lá no cemitério. Feliz por ver a solidariedade, a fraternidade, a comunhão. Eu vi quase todos aqueles jovens iniciarem sua caminhada na Igreja, e hoje vi que eles não esqueceram nada do que lhes foi transmitido, não esqueceram o mandamento novo que Jesus deixou para nós: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” Choravam, mas estavam lá, deixando sua última homenagem ao jovem Francys, que era amado e querido por eles.
Escrevo essa coluna em homenagem ao Francys e a todas as milhares de pessoas que o novo coronavírus tirou de nós. Ele tirou de nós pessoas e trouxe à tona a falta de humanidade de algumas pessoas. Quando vejo cenas de desembargadores humilhando guardas municipais, “engenheiros civis formados” destratando fiscais, cidadãos de bem depredando sorveterias por causa de uma máscara, vejo o quanto o vírus foi ideologizado, transformado em plataforma eleitoral, e, assim, perdemos o foco do problema principal: vidas estão sendo ceifadas. Vidas como a do Francys.
Durante o velório eu pensava: como é triste participar do sepultamento de um jovem. 29 anos. Quantos sonhos, quantos projetos. E o que me consolou foi saber que, apesar do pouco tempo, Francys viveu a vida intensamente. Ele degustou a vida, saboreou, absorveu. Isso trouxe paz ao meu coração.
Há séculos os filósofos se questionam sobre o sentido da vida. Penso que o sentido é não procurar o seu sentido, mas, simplesmente, vivê-la, com intensidade, com planos, projetos, sonhos, aprendendo com as decepções, tirando proveito até das desilusões, porque só cai quem caminha, só tropeça quem tem a coragem de dar o primeiro passo. E isso Francys fez, caminhou, sonhou, chorou, se alegrou…viveu.
Muitos falam do novo normal pós-pandemia. No novo normal, infelizmente, não teremos Francys e muitos outros. Mas teremos suas recordações, seus exemplos, seu legado, e teremos a fé, que nos garante que eles estão vivos junto de Deus. Que Ele, o Deus da vida, nos ajude. Vai com Deus Francys!