- Arquivo
- 23 de março de 2022
Falso ritual satânico em Gravataí e crianças esquartejadas; caso que abalou o RS segue aberto
Há quatro anos e meio acontecia um crime que chocou o Rio Grande do Sul e que até hoje não tem solução. Em setembro de 2017, partes dos corpos de duas crianças foram encontrados espalhados em uma estrada erma, na região de Lomba Grande, em Novo Hamburgo.
No início do ano seguinte, uma grande farsa ganhou o noticiário. Durante as férias do delegado titular da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo, Roberto Baggio, seu substituto, o delegado Moacir Fermino, anunciou que havia solucionado o crime. Nesta versão, dois empresários teriam contratado por R$ 25 mil um ‘bruxo satanista’ que atuava em Gravataí para realizar um ritual que trouxesse prosperidade aos negócios. Para isso, era necessário sacrificar duas crianças de mesmo sangue.
A grande virada deste caso é o fato de que essa versão da história na verdade foi comprada. Paulo Sérgio Lehmen, que entrou no caso como informante, confessou que as testemunhas que ajudaram nas investigações, por supostamente terem participado do ritual, haviam sido pagas e instruídas a mentir.
O pagamento oferecido às duas testemunhas era moradia, alimentação e ainda auxílio pelo programa Protege, que ajuda financeiramente testemunhas que precisam de proteção do Estado. Na época, Fermino disse ter recebido uma revelação divina sobre quais testemunhas deveria ouvir para investigar o crime.
Ao todo, cinco pessoas foram presas com base no inquérito conduzido por Fermino. Os pedidos de prisão foram autorizados pela justiça. No entanto, a investigação chamava a atenção pela falta de provas técnicas sobre a relação entre o ritual e a morte das crianças, levando a cúpula da polícia a uma reunião que pediu o adiantamento do término das férias do delegado titular, colocando em cheque a investigação feita por Fermino, que a essa altura já apresentava incongruências.
Quando o então titular da Divisão de Homicídios de Novo Hamburgo, Roberto Baggio, voltou de férias, reassumiu a investigação. Este foi o momento que a farsa foi descoberta e as investigações voltaram à estaca zero, segundo o próprio Baggio. Após esse recomeço das investigações, já com a mentira desbancada, Fermino foi afastado do caso e posteriormente condenado por falsa denúncia. Todas pessoas que haviam sido presas pela versão mentirosa, foram liberadas pela justiça. O inquérito, então, passou a procurar respostas para o esquartejamento das crianças, que seguem até hoje sem identificação.
A condenação de Fermino aconteceu em novembro de 2020. Junto dele, o informante, Paulo Sérgio Lehmen, também foi indiciado por corrupção ativa de testemunhas. Os dois responderam em regime semiaberto. Ainda em 2020 o caso teve mais um acontecimento chave na linha do tempo. Paulo Sérgio foi encontrado morto a facadas no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo, palco do teatro que ajudara a montar.
Cinco dias antes de ser morto, Lehmen postou um vídeo dizendo estar sendo acusado de um estupro que não cometeu e que temia por sua própria vida. O assassinato não deixou nenhum indício de estar ligado ao caso das crianças esquartejadas, mas segue em aberto sem nenhum tipo de resolução.
Repercussão internacional e danos irreparáveis
Na época, o suposto ritual satânico envolvendo o esquartejamento das duas crianças ganhou destaque na imprensa internacional. No Brasil, revistas e jornais renomados adiantavam linhas de investigações e passaram a produzir conteúdos em massa sobre outros supostos rituais com crianças ao redor do mundo. Entre os injustiçados no caso, estava o mestre de magia Silvio Fernandes, dono de um templo satânico em Gravataí e que teria sido imputado como o responsável pelo ritual.
Durante o andamento do processo, o advogado Marco Meija publicou o livro Operação Revelação: Caso Bruxo – O maior erro da histórico de um delegado no Brasil, mostrando como uma falsa investigação levou o judiciário e a sociedade a condenar inocentes. Representantes de templos satanistas também se manifestaram na época por conta da intolerância religiosa que vinham sofrendo por conta do caso.
Extra
Durante a investigação do caso, ainda sob a coordenação de Fermino, a companheira de Silvio Fernandes foi presa em flagrante no templo, que fica na Morungava, área rural de Gravataí. A prisão se deu pelo furto de energia no local.
Por pelo menos dois meses buscas com escavadeiras foram feitas no terreno, já que testemunhas afirmavam que as cabeças das crianças haviam sido enterradas. No local a polícia encontrou apenas restos mortais de animais como galinhas e outras aves.
O Instituto Geral de Perícias (IGP) gaúcho apontou que as duas crianças eram menino e menina, e tinham entre oito e 12 anos, tendo parentesco materno. Ou seja, irmãos, primos ou mesmo tia e sobrinho. Até hoje, conforme a Polícia Civil, nenhuma denúncia ou registro dava conta de familiares atrás de crianças que haviam sido raptadas na RS.
A reportagem do Giro de Gravataí buscou, durante a produção do conteúdo, contato com a delegada titular da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo, mas não obteve retorno. Conforme apurado ainda pela reportagem, o caso segue em aberto na delegacia, sem qualquer novo indício que possa levar a identificação dos autores, da motivação do crime ou da identidade das crianças.