Dona Daiane leva alimento para famílias de Gravataí: “Não quero que crianças passem fome como eu passei”

Dona Daiane leva alimento para famílias de Gravataí: “Não quero que crianças passem fome como eu passei”
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Na carroça puxada por Boneca, Daiane distribui alimentos. Foto: Claiton Santos/Arquivo Pessoal

O frio que já chegou ao Rio Grande de Sul deve ficar mais severo nos próximos dias, com a chegada do inverno. Além das mudanças que a queda na temperatura naturalmente traz ao cenário gaúcho, a rotina de diversas famílias deve mudar aos sábados no Rincão da Madalena, em Gravataí. Mais uma vez, Daiane Melo planeja realizar o seu sopão, que nos últimos anos tem ajudado a aplacar a fome e o frio em dezenas de lares do município.

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A iniciativa, no entanto, é só mais uma do projeto social da carroceira, que durante todo o ano arrecada doações e distribui para 112 famílias de Gravataí. Mesmo tendo que batalhar muito para o sustento da casa, onde vive com o marido, que tem problemas neurológicos, e o filho de 15 anos, a gravataiense não deixa de pensar naqueles que enfrentam ainda mais dificuldades.

Infância difícil é o motor do projeto social

A primeira metade dos anos 80 foi marcada pelos últimos anos da ditadura militar no Brasil, que prometeu “crescer o bolo para depois repartir”. A década também registrou a efervescência dos protestos pelas Diretas, a redemocratização, a promulgação da Constituição. Mas nenhum pedaço do bolo chegou à peça em que Daiane morava com a avó em Esteio. As mudanças na política não foram percebidas pela menina pobre, que perdeu a mãe aos três anos e não tinha uma televisão para saber o que acontecia em Brasília.

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“Minha avó ia trabalhar, muitas vezes eu dormia com fome, esperando ela voltar da faxina. Algumas vezes ela tinha faxina, muitas vezes não. Muitas vezes eu chorava de vontade de comer um pão e não tinha um pão para comer. Muitas vezes não tinha nada para comer em casa. Eu chorava de fome, eu dormia com fome”, relembra com a voz embargada com a qual completa: “foi muito triste a minha infância, com muita dor”.

A vida difícil ganhava um pouco de cor quando Daiane conseguia ver um pouco das aventuras de Emília, Narizinho e todos no sítio da Dona Benta. “Lembro que quando era pequena, eu adorava o Sítio do Picapau Amarelo, mas eu não tinha TV. A nossa casa era apenas uma cama, um roupeiro e um fogãozinho. As mulheres de uma loja deixavam eu olhar o sítio”, comenta.

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Já a fome era aplacada com a merenda da escola. Na verdade, em vários momentos a refeição era o principal motivo para a pequena colocar cadernos e lápis em uma sacola de plástico para ir ao colégio. Mas com nove anos, Daiane prometeu para a avó que as duas não passariam mais fome, a menina iria seguir os passos daquela que era a sua referência e começaria a limpar outras casas.

“Na primeira faxina, a mulher (dona da casa) me ajudou. Eu era criança, ainda fraca, com fome. Eu não conseguia nem com o tapete. Mas eu falava para ela que eu estava ali pela comida, porque eu estava com fome”, narra.

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A infância difícil e as lembranças de quando não tinha o que comer, das vezes que, ainda criança, procurou alimentos é que motivam Daiane e preparar a Boneca, sua égua, e buscar doações para distribuir às famílias inscritas em sua lista. “Eu sempre tive este desejo no coração, de ajudar o próximo. Igual eu sempre digo, quem viveu com muita dificuldade, quem viveu sem nada, tipo eu, quem sentiu na pele a dor da fome, que eu senti, sempre vai querer estender a mão”, analisa.

Carroça é ferramenta para o sustento, a saúde e a solidariedade

O trabalho não é simples. A arrecadação é feita quando Daiane não está buscando material para a reciclagem ou acompanhando o marido em suas idas ao médico, exames e tratamentos. Tudo feito na carroça puxada pela égua Boneca. “Eu não tenho condições de comprar um carro, fazer uma carteira. Eu estou triste, estou com medo de perder a minha égua. Se eu não correr atrás, como vão ficar essas crianças? Agora no inverno, todo sábado tem o Sopão Solidário, como vou buscar as batas, as verduras, os alimento? Eu tenho o joelho estourado, não posso caminhar muito”, desabafou, afirmando que qualquer veterinário pode verificar que a Boneca é bem tratada.

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Carroceira, Daiane se queixa do preconceito com a sua categoria. “Todo mundo critica, a gente olha no Face, as pessoas dizem ‘ah, esse carroceiros’, eles tem que olhar os dois lados da história, não podem julgar todo mundo. Quem cuida bem do animal, não pode pagar por quem maltrata. E eu preciso muito da carroça por causa do projeto”, lamentou.

Família de Jéssica recebeu alimentos das mãos de Daiane. Foto: Cleiton Santos/Arquivo Pessoal

Daiane contou que quando recebe uma doação, firma o compromisso de fotografar a entrega para mostrar ao doador, mas sem publicar em redes sociais, para não expor ainda mais quem está passando dificuldade. “Muitas vezes as pessoas que moram nessas casas bonitas perguntam quanto eu cobro para tirar uma mesa, um sofá. Eu não cobro, eu levo para alguém que precisa”, contou. Ela ainda revelou que quando a doação é mito pesada, ela pede algum frete solidário, ou, muitas vezes, acaba perdendo a doação. “Eu cuido da minha Boneca, ela é parte da família”, contou

Na tarde desta terça-feira (18), a família de Jéssica, no Rincão da Madalena recebeu alimentos. A dona de casa permitiu que as fotos fossem publicadas no Giro de Gravataí para mostrar o trabalho de Daiane e falar sobre a ajuda que recebe. “Eu queria falar a respeito das carroças, que estão querendo proibir. Eu peço que não façam isso, tem o trabalho da irmã Daiane, que ajuda muitas famílias. Já faz uma noa que eu moro aqui. Quando chegamos, meu marido não tinha trabalho, eu estava com uma gravidez de risco. E ela me ajuda muito. Então, eu faço um apelo para que não façam este tipo de coisa. Para que não tirem as carroças de circulação”, pediu.

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