André Valdez | Delfino, o ladrão dos sonhos de quem ainda possuía alguma pretensão musical

André Valdez | Delfino, o ladrão dos sonhos de quem ainda possuía alguma pretensão musical
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Marcos Delfino é o ladrão dos sonhos de quem ainda possuía alguma pretensão musical. Provavelmente, esse tenha sido o sentimento da maioria dos espectadores que estiveram no Pub Bar Sargent Pepper’s, em Porto Alegre, na última quarta-feira (10/5), noite em que o gravataiense celebrou o cantor e compositor carioca Cazuza, em seu espetáculo “O poeta vive”, deixando a todos boquiabertos.

Na noite da última quarta-feira, parecia que a temperatura, finalmente, teria o seu cartão de visitas, deste outono que tardou a dar o ar gélido da graça. Tudo levava a crer que teríamos mais uma típica quarta de futebol na TV e de anormal somente o fato de, infelizmente, estarmos impactados e de luto por conta da morte da Rainha do Rock, Rita Lee. Não fosse o convite do talentoso Marcos Delfino para assistir seu tributo ao cantor e compositor carioca, espetáculo que eu ainda não havia tido o prazer de assistir, eu teria ido dormir sem, necessariamente, almejar que o dia nascesse feliz. Mas felizmente pra mim e para quem esteve no Pub Bar Sargent Pepper’s, essa tarefa se tornou algo humanamente impossível de acontecer.

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O clima de espera naquele espaço que respira rock e, mais precisamente, o rock vindo de Liverpool – e que seis décadas atrás era feito por quatros jovens sonhadores que acabaram inspirando o mundo inteiro a também sonhar com eles –, as mesas e cadeiras quase todas já ocupadas ou reservadas, dificultaram um pouco para que eu descolasse um lugar estratégico para conferir com plenitude a performance do dócil Delfino. Mas acabei ficando posicionado em um ótimo lugar, onde pude assistir ao espetáculo de forma privilegiada.

De um lado, uma capa do LP Abbey Road. Do outro lado, a capa do disco Help. Bem, logo tomei aquilo como um bom presságio, já que era a primeira vez que visitava aquele famoso pub bar porto-alegrense, assim como nosso Cazuza. Ops! Digo, Marcos Delfino. Inevitavelmente, ele foi facilmente confundido com o saudoso artista, a quem prestou uma linda e inesquecível homenagem, aquecendo os corações de quem saiu naquela noite de outono.

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Pontualmente, às 21h33, ouve-se o característico barulho de uma obsoleta máquina de escrever, que logo em seguida é interrompida pela suposta voz de Cazuza, que só posteriormente descobrimos se tratar do ator Daniel Oliveira, no filme “Cazuza: O tempo não para”, de 2004. “Comprar uma fazenda e fazer filhos, talvez fosse uma maneira de ficar para sempre na terra. Porque discos, aranham e quebram. Com amor, Cazuza”. Findado este emocionante depoimento, é hora das cortinas se abrirem e reverenciarmos um dos nomes mais importantes do rock brasileiro dos anos 80 e de todos os tempos.

Eu bem posso imaginar a cara de quem esteve naquele distante show de Cazuza no Teatro Presidente, em Porto Alegre, em sua única passagem pela capital para o lançamento do álbum solo “O tempo não para”. Passados mais de 30 anos, o que se viu surgir no palco, foi alguém com aura, luz, voz e até mesmo a rebeldia do filho da Dona Lucinha Araújo. Sim, pasmem! Esqueça o “bom moço” que sempre fora Delfino. Ele encarnou todo o deboche, picardia, ousadia e sarcasmo crítico, que sempre foram pontos marcantes na carreira Cazuza.

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Já nos primeiros acordes, uma invisível apreensão tomava conta do ambiente, algo do tipo: aquele menino de semelhança física e figurino idem, daria ao público a entrega do que tanto esperava? A catarse esperada se deu nos primeiros segundos, quando Delfino emprestou sua voz a Cazuza para cantar “O tempo não para”. Ao término, eu vi olhares perdidos, vi gente emocionada, alguns se entreolhavam incrédulos com o que acabavam de ver e ouvir. Eles ainda tentavam se recuperar da surpresa quando Delfino embalou o show com “Boas Novas”, algo muito apropriado para quem estava vivenciando aquele momento.

Na sequência, ele não se excedeu e pôs todo mundo pra cantar em uníssono a música “Exagerado”. E não é exagero nenhum perceber, neste momento, que algumas pessoas já estavam com olhos marejados e com as mãos para o alto. É preciso salientar que ainda estávamos na primeira parte do espetáculo, dividido em três partes. E como no filme “O curioso caso de Benjamin Button”, de 2008, essa efêmera passagem pelo mundo rock de Cazuza foi contada de forma decrescente, uma maneira de também lembrar um Agenor Araújo altivo, muito vivo e saudável, ao contrário do que a maioria dessas novas gerações associa ao vê-lo como um jovem que findou sua vida cedo demais, uma figura moribunda, enferma e vitimada por uma doença fatal. Delfino parte do que seria o fim para entregá-lo combativo e muito criativo, como Cazuza fora até o fim dos seus dias.

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A música “Completamente Blue” faz com que o repertório siga cada vez mais nos aproximando do universo Cazuzânico. Com “Todo amor que houver nesta vida” e “Vida Louca Vida” encerra o primeiro bloco da apresentação em alto nível de pura emoção, deflagrada na cara do público, chocado com o que acabara de ver. Novo bloco, novo figurino. E com isso, uma nova postura. Uma endiabrada guitarra dita o tom e a ira na música “Brasil”, o deboche melódico em “Blues da Piedade” e um brado sincero e que em dado momento eu achei que Cazuza, ou melhor, Delfino bradava pra mim: “Vai à luta”.

Bem, mas o intuito aqui não é transcrever na íntegra ou tampouco dar spoiler musical do que se passa ao longo do espetáculo “O poeta vive”. Contudo, me permito relatar emoções ímpares que senti durante a apresentação. Em “Eu queria ter um bomba”, fiquei estupefato e creio que o público também. Alguns a perguntar se aquele que estava no palco era real e se a voz saia dele mesmo. E eu, entre sorrisos e voz embargada enquanto cantava, respondia que sim, o que eles estavam assistindo aquela noite, certamente, é um dos maiores intérpretes do Sul ou quiçá do país.

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Em uma noite com tantas emoções e reminiscências, cortês e solícito como sempre fora, Delfino convocou a todos os presentes para juntos cantarmos “Jardim da Babilônia”, da Rainha do Rock, Rita Lee, que nos deixou no dia 9 de maio. Foi um dos momentos mais emocionantes do show. Uma competente e segura banda acompanha Marcos Delfino: Lula nos teclados e guitarra, Luciano Pinto no baixo, Mick Oliveira na guitarra e Jackson Dutra na bateria.

“O Marcos Delfino, antes de mais nada, é um grande cantor. E nesse show em homenagem a Cazuza, o artista transcende a simples imitação, pela voz e aparência. Delfino está à vontade no seu palco, tanto quanto Cazuza estava no seu. Maravilhoso o show, super banda!”, enfatiza o ator Antônio Carlos Falcão, que não poupou elogios ao seu amigo gravataiense. Depoimento, inclusive, de quem conheceu Cazuza pessoalmente, nos idos dos anos 80, quando a artista esteve com o Barão Vermelho na capital.  O fato curioso, ficou por conta da revelação do ator de que foi saudado por Cazuza com beijo ou selinho como dizem, algo muito habitual no início da década oitentista.

Tenho acompanhado Marcos em outras apresentações e alguns de seus projetos em Gravataí e Porto Alegre. E ainda me assombra vê-lo cantar, sua voz parece não sair dele, tamanha perfeição. Quando o acuso de ladrão, me refiro a sua entrega, emoção, seu lado mais visceral.  Seja cantando “Hey You”, do Pink Floyd, ou quando nos impressiona com “Simply The Best”, de Tina Turner, acompanhado somente do seu violão, surpreende até mesmo os mais incautos com agudos inatingíveis em “Whola Lotta Love”, de Led Zeppelin. Eu, particularmente, jamais havia visto alguém interpretar “A Little respect”, do Erasure, e “Enjoy The Silence”, do Depeche Mode, com violão em punho e uma voz que é um verdadeiro bálsamo para meus exigentes e atentos ouvidos.

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Alguém já o definiu como um fenômeno e não há como discordar quando o assunto é Delfino. Esse simpático e dócil garoto, pode ser o que ele quiser, até porque, certamente, seu talento e sua voz irão conduzi-lo da mesma forma brilhante como ele é em cima ou fora do palco. Mas teimo em dizer: Delfino é um ladrão de quem almeja se arriscar na música. Cada vez que o vejo cantar, percebo que roubou meus sonhos e, sendo assim, eu nem me arrisco.  Como insistir em cantar depois ver e ouvir Marcos Delfino?  Enfim, minha desistência tem uma nobre e melódica razão. Afinal, tudo nessa vida tem uma razão de ser, até para que o dia siga nascendo feliz.

Fotos: André Valdez

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