- Especial
- 24 de outubro de 2021
Amon Costa | O CNPJ mais antigo de Gravataí
Caros leitores, para esclarecer melhor a pauta dessa semana pensemos que o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) foi criado em 1º de Julho de 1998. Na prática, funciona como a evolução do Cadastro Geral do Contribuinte (CGC), criado em 1964 pelo Ministério da Fazenda. O CGC foi o cadastro de pessoas jurídicas com empresas no Brasil e de empresas no exterior com aplicação de capital no país. Sendo assim, o CNPJ é uma evolução do CGC, de modo que quem já tinha esse cadastro antes da alteração para CNPJ manteve o mesmo número.
Tomando como referência as empresas brasileiras constituídas e as informações sobre estas empresas disponíveis na SRF (Receita Federal Brasileira) até 2018, a média de sobrevivência das empresas abertas no Brasil é de dois anos de atividade, empreender e frutificar no Brasil é tarefa para poucos persistentes, criativos e perseverantes.
O século XIX foi revolucionário no implemento de máquinas e em todo seu aspecto da química; foram 100 anos em que as coisas mudavam muito rápido: o trem, a fotografia, a energia elétrica e o telefone são invenções entre 1801 a 1900. Neste período histórico, a cidade de Gravataí era absolutamente rural, com suas atafonas de mandioca, seus alambiques, tambos de leite, olarias e outros pequenos comércios tradicionais e tipicamente de cidade rural do interior.
As mudanças mais significativas de Gravataí ocorreram depois que a mesma recebeu um surto desenvolvimentista com diversas ações, desde a sua primeira linha telefônica em 1903, a instalação do Hospital Casa de Saúde Coração de Maria do Dr. Alexandre Sirckis em 1926, já no ano de 1928 foi fundada a Associação Comercial e Rural de Gravataí (depois viria a ser a ACIGRA); a luz elétrica foi inaugurada somente em 1932 e ao fim de 1934 é construída a primeira estrada de rodagem ligando Gravataí a Porto Alegre. Os anos 30 foram fortemente marcados pelo administrador desenvolvimentista José Loureiro da Silva.
Alguns irão lembrar da rapadurinha “Gostosão” e depois o famoso Molho Farrapo feito em Gravataí e outros a moderna Granja progresso que pertencia a hoje cidade de Cachoeirinha; na memória ainda está a torrefação e moagem de café do Quincas Vargas, todos estes empreendimentos do começo da indústria marcaram uma época, mas o CNPJ ainda vivo e atual é da família Marques Gomes aqui em Gravataí.
Fica impossível contar essa história sem falar do visionário português Manuel Marques Gomes (1866-1932) que nasceu pobre, conseguiu com o seu trabalho e uma fortuna considerável que colocou à disposição de uma série de empreendimentos sociais, culturais e desportivos que beneficiaram Canidelo e Vila Nova de Gaia no distrito do Porto em Portugal. O primeiro Marques Gomes dessa história aos dezoito anos, emigra para o Brasil, para a cidade de Belém do Pará, foi empregado numa firma comercial denominada Nunes de Almeida & Cia. Empreendedor nato, foi trabalhar também na M.J. Leite de Campos, onde foi subindo na hierarquia até ao posto de gerente, comprando mais tarde a própria firma e mudando-lhe o nome para Marques Gomes & Cia.
Esta empresa dedicava-se à exportação para Portugal de produtos brasileiros, como: o café, a aguardente e o açúcar; assim como à importação de vinhos portugueses para o Brasil, com a fortuna acumulada voltou para o Porto transformando a cidade com seus empreendimentos e construindo seu próprio palácio.
O segundo Marques Gomes do texto nasce em 1903, o inquieto químico Albino Marques Gomes(2º), no ano de 1931 teve a oportunidade de vir para o Brasil, fundando a Cantina Luzo, chegando a ser a segunda maior cantina da região de Bento Gonçalves nos anos 30; produzindo vinho e outras bebidas, inclusive começando a exportar para fora do estado junto com seu irmão Lícinio Marques Gomes. A falta d’água fez com que a família procurasse outro local para montar seu negócio de bebidas, foi aí que Gravataí e a Rua Barbosa Filho (Antiga Rua Passo do Hilário) entram na história em 1942.
Na Gravataí de 1942, éramos 22.894 habitantes (segundo IBGE), vivíamos o governo de Getúlio Vargas em plena Segunda Guerra Mundial e no município a administração de Ary Tubbs; a cidade vivia um surto de desenvolvimento econômico, Albino pai foi o primeiro a solicitar financiamento ao recém criado BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE) para a compra do terreno que até hoje serve de sede da empresa familiar ALBIMAR.
“Vendemos e fabricamos aqui conhaque, vinagre, cachaça, xarope, vermute e também passamos a ser representantes da cervejaria Continental (Brahma) em toda a região e o litoral norte, tirei minha carteira de motorista de caminhão (Ford 29) e saia por todos os cantos vendendo bebida” Albino Pereira Marques Gomes(3º)
Em 1951, foi inaugurado o Restaurante Português “Paraíso dos Turistas” lembrando que não existia a ERS-118 e muito menos a BR-290 (Freeway de 1973); Seu Albino escolheu estrategicamente o local na esquina da hoje Dorival de Oliveira com a Otávio Schemes, o local servia de parada obrigatória para os turistas que vinham do interior do estado rumando para praia. Construiu alguns loteamentos aqui em Gravataí, também tinham também uma bomba de gasolina.
Na junta comercial de Gravataí o registro mais antigo em atividade é de 1956 da Marques Gomes S/A Indústria e Comércio, empresa que trabalhava com glicose, muito utilizada na indústria alimentícia, doces, balas e derivados. Apenas duas empresas em todo Brasil faziam este tipo de produto.
“Meu pai era muito inventivo, certa vez importou uma enorme de uma máquina da França todinha desmontada e ele mesmo montou peça por peça de um concentrador de bebidas e glicose, ainda existente lá na firma” Albino Pereira Marques Gomes (3º)
O português inquieto e inventivo “químico” Albino faleceu em 1968, porém, seu legado deixou marcas na cidade, tanto que a Escola SESI de Gravataí foi batizada com o seu nome.
O terceiro Marques Gomes desta saga de empreendedorismo é o Tio Bino, também nascido em Portugal no ano de 1932, desde jovem trabalhava com seu Pai Albino, criando seu próprio empreendimento, fabricando rações, revenda de adubos, comercialização de milho e alfafa, mas foi sua paixão por caminhões fez ele entrar no ramo de transporte de cargas, especializando-se em areias vindas do litoral.
O quarto Marques Gomes é o Régis Albino Marques Gomes, o primeiro de quatro gerações a nascer no Brasil, Gravataiense dos mais conhecidos da aldeia, herdou o espírito empreendedor e as mais profundas relações comunitárias com a cidade; Regis desde adolescente trabalha com o pai no ramo de beneficiamento de areias, para muito além de manter o legado inquieto dos Marques Gomes, é uma das pessoas mais atuantes do Rio Grande do Sul da área das danças folclóricas, como fundador da Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul, organizou o restauro e o tombamento do Casarão dos Fonseca, impossível não comparar o legado deixado por seu Manuel lá no Vila Nova de Gaia, com o legado cultural e empreendedor de Régis em Gravataí.
Quando conversava com Tio Bino, Celita (sua esposa) e o Régis para tentar contar essa história, me dei conta que em milhares de lares, outras empresas e serviços públicos vamos encontrar um pedacinho dos Marques Gomes. Seja na construção do Trensurb, nas obras da Corsan e em muitos outros lugares temos os grãos de areia comercializados por esta família, que é muito maior que um CNPJ.
Gravataí é marcada por ser uma cidade industrial e empreendedora, nos debates de internet percebo o quanto as memórias das pessoas vibram aos falar dos tempos de Synteko, Icotron, Madepan, Pirelli, Wotan, Trafo, Albarus e outras. Algumas infelizmente fecharam suas portas, outras mudaram de atividade, vendo nessa perspectiva histórica a sobrevivência do CNPJ dos Marques Gomes é um feito extraordinário.
Só por curiosidade, fui pesquisar quais eram as 10 Empresas mais antigas do Brasil em funcionamento:
1663 – Correios – surgiu como Correio-Mor, (Empresa Correios e Telégrafos).
1694 – Casa da Moeda – Cunha moedas e está vinculada ao Ministério da Fazenda.
1808 – Banco do Brasil.
1835 – Mongeral – primeira iniciativa de previdência social no país.
1846 – Ypioca – Cachaçaria e aguardente.
1870 – Universidade Mackenzie – chamava-se inicialmente Escola Americana.
1872 – Cedro e Cachoeira – Companhia de Fiação e Tecidos.
1875 – O Estado de São Paulo – jornal nascido como A Província de São Paulo.
1880 – Hering – surgiu como Trikotwaren Fabrik Gerbruder Hering.
1882 – Karsten – surgiu como Tecelagem Roeder, Karsten & Hadlich.
1891 – Santanense – Companhia de Tecidos (pertence à Coteminas desde 2004).
