Amon Costa | A Rua da Direita e dos Rebeldes de Gravataí

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Tudo na vida se transforma, afinal a existência é um fluxo, assim como a cidade é uma eterna metamorfose. Hoje, ao resolver questões pessoais, me dei conta que caminhava pela Rua Anápio Gomes, localizada aqui no centro de Gravataí, rua esta que, nos horários de pico, o trânsito é alucinante, dando o tom de uma das principais ruas da cidade; e que apesar das constantes obras nas calçadas, mesmo que necessárias, causam um desconforto aos pedestres, às dezenas de farmácias, lojas e estacionamentos.

Carinhosamente chamada de Anápio, nos remete ao ex-prefeito falecido em 1966, mas poucos sabem que a rua sempre foi o centro nervoso da história de Gravataí. Atualmente, a Rua se inicia na Praça Norberto Lessa, passando por todo centro e chegando até a praça da Várzea ao conectar-se com a Avenida Centenário. Mas antigamente, a rua tinha outro traçado, seguia pelo bairro Passo das Pedras e chegava até a praia do Passo das Canoas.

A Rua Anápio Gomes foi organizada e alinhada pelo Governador José Marcelino de Figueiredo, poucos anos após a chegada dos indígenas missioneiros trazidos de Rio Pardo, na chamada Nossa Senhora dos Anjos da Aldeia, em 1769. O caminho era fundamental e conectava as fazendas do interior e ajudava a escoar os produtos agrícolas da jovem Aldeia dos Anjos como: a farinha, o leite, a cana, o milho e outros. 

Os agricultores transitavam pela rua até chegar no Rio Gravataí, no Passo das Canoas em um vai e vem entre Gravataí, Viamão e Porto Alegre. Nascia a primeira Rua de Gravataí, que foi popularmente chamada de: “Rua da Direita”. Gravataí ainda dependia politicamente de Porto Alegre e a Câmara de Vereadores em 1861, indicou que fossem nomeadas oficialmente as Ruas da Aldeia. Depois de consultar moradores locais, a rua foi oficialmente batizada como: Rua da Direita, como aparece em alguns documentos oficiais até a Proclamação da República.

Em decorrência da República em 1889, houveram muitas disputas aqui no Rio Grande do Sul entre os seguidores de Gaspar da Silveira Martins, gasparistas ou maragatos (federalistas), que eram frontalmente opostos aos seguidores de Júlio de Castilhos, castilhistas, pica-paus ou ximangos.  Com a vitória dos Ximangos, inicia-se uma intensa troca de nomes de Ruas, Praças e Prédios Públicos para enaltecer a então “jovem república” e a ideia de renomear a mesma foi do republicano Joaquim Tubbs, avô do ex-prefeito Ary Tubbs; tal sugestão era trocar o nome para Marechal Floriano Peixoto e assim se fez. 

Gravataí nunca foi plenamente republicana, até a década de 1920 a rua era teimosamente chamada pela população de “ Rua de Baixo” ou a chamavam de “Rua do Seu Lessa”, claramente contrariados pelo nome oficial de Marechal Floriano; lembrando que: “Seu Lessa” foi o primeiro juiz municipal, médico, farmacêutico, conselheiro municipal, músico, fotógrafo da cidade e um dos moradores mais ilustres da Rua. 

A tradição de uma rua hoje repleta de farmácias, pode ser por conta do seu Velocino de Almeida Lessa, pai do Major João Batista Lessa, criando seu primeiro estabelecimento farmacológico em 1853.

“Lembro das fogueiras de São João, que o tio João Lessa fazia defronte a antiga casa dele na Anápio Gomes, antiga Marechal Floriano. Era uma Festa Linda! A casa com as palmeiras era do meu bisavô Major João B. Lessa e o local onde funcionou a primeira farmácia de Gravataí!”  relata Maria Lessa.

A rua que tinha espaços para futebol de goleirinha, partidas intermináveis de taco bem em frente à casa do Dr. Valente, em que as bolinhas eram rebatidas até onde são os correios hoje, bem ali, tinha uma espécie de estacionamento, um para douro de carroças, cavalos e charretes de quem estava em compras ou a trabalho no centro da cidade.

Essa rua abrigou por mais de 80 anos a Sede da Câmara de Vereadores. Recentemente, perdemos o ex-vereador Badi Barcelos que morou por mais de 30 anos ali, perto da Praça Norberto Lessa. 

Desfilaram pelas calçadas da Anápio Gomes políticos como: Leonel Brizola, Fernando Collor, Pedro Simon, Olívio Dutra; e tantos outros como: o Sr. Acelino Medeiros da fábrica do famoso Molho Farrapos, o Sr. José Linck do cartório.  Assim como estabeleceram-se a Professora Rosinha Kroeff, o Armazém do Joca, o extinto Banco do Comércio e algumas Casas de Farinha. 

Em minha memória da rua dos anos 1980, lembro da Escolinha da Mônica, a sede da CRT e seus orelhões com filas, das milhares de fitas que aluguei na Vídeo Life, nas matutinas caminhadas para a Escola Dom Feliciano, Gensa e depois Barbosa Rodrigues, durante algum tempo foi o endereço do Galpão Alvi Rubro e de suas famosas festas; rua das partidas de futebol de botão e reuniões dançantes na casa do Tiago Machado de Oliveira e do seu irmão Magoo, da locadora de livros “Vai e Volta” e das filas intermináveis dos Correios.

Mas, o mais lindo da “Rua da Direita” eram suas árvores, os jacarandás, os cinamomos e a última delas que, rebeldemente resiste e floresce no meio ao caos urbano: a cerejeira da Anápio. Tudo se transforma, depois de muitos nomes, hoje a Rua Anápio Gomes é a Sede do Teatro do Sesc, rua de mão única, de trânsito rápido, de pedestres apressados, de compras, de desejos, de apostas, de história e de muitas memórias da primeira Rua de Gravataí.

Registre aqui nos comentários a sua recordação da Rua Anápio Gomes.

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