- Coronavírus
- 27 de março de 2020
Padre Fabiano | O mundo abraçado pela bênção de Deus
Final de tarde no Vaticano. Chuva fina. E a Praça de São Pedro, envolta pela Colunata de Bernini, vazia. Talvez pela primeira vez em toda sua centenária história. Foi nesse triste cenário que o Papa Francisco, auxiliado por seu cerimoniário, Monsenhor Guido Marini, concedeu de modo extraordinário a bênção urbi et orbi.
Segundo a crença católica, o bispo de Roma, por ser sucessor de Pedro, o pescador que, apesar de ter negado Jesus por três vezes, foi colocado por este como chefe dos Apóstolos, tem as chaves do Reino dos Céus, e tudo que ele liga na terra é ligado no céu (cf. Mt 16, 18). Assim, como detentor da chave, ele tem poder de conceder a bênção de Deus não só a Roma, cidade da qual é bispo, mas ao mundo todo. O Papa concede essa bênção em três ocasiões: quando é eleito, na Páscoa e no Natal. Pelo seu caráter universal, é chamada urbi et orbi: à cidade e ao mundo.
Pela primeira vez na história, ela foi concedida de forma extraordinária, ou seja, fora de uma dessas três ocasiões. Devido à pandemia de COVID – 19 que o mundo enfrenta, o Santo Padre resolveu conceder essa bênção ao mundo, para que contemos com a graça de Deus para enfrentar a doença. Foi um gesto muito paternal. Contamos com a ciência, e contamos também com a fé. Um detalhe que talvez tenha chamado a atenção foi a presença de duas imagens perante as quais o Papa rezou por longos minutos: o ícone salus Populi romani, e o crucifixo da igreja de São Marcelo.
A salus Populi romani – salvação do povo romano – é um antigo ícone de Nossa Senhora que desde 1613 está na Basílica de Santa Maria Maior. Teria sido pintada pelo evangelista São Lucas. Ao longo de sua bimilenar história, a cidade de Roma passou por muitas calamidades, desde pestes até guerras e invasões, e, em mais de uma ocasião, os católicos de Roma rezaram diante dessa imagem pedindo uma intervenção divina. E teriam sido atendidos em todas elas.
O crucifixo de madeira, também antigo, está na igreja de São Marcelo, que data do século IV. Em 1513, um incêndio consumiu a igreja, ficando o crucifixo intacto, o que foi atribuído a um milagre. Em 1522, mais uma peste acometeu a cidade de Roma, e os frades Servos de Maria, levaram o crucifixo em procissão por toda a cidade, durante 16 dias, ao fim dos quais a peste sucumbiu.
Para mim, como católico e como padre, que desde a juventude assisto pela TV as audiências papais, que já estive em duas jornadas mundiais da juventude, ver o Papa rezando sozinho na Praça de São Pedro foi uma cena inesquecível. Inesquecível e triste. Um vírus, um invisível vírus, está fazendo com que nossa sociedade, nossa avançada e civilizada sociedade, repense todos os seus valores, sua forma de organização, sua economia. Já disse numa coluna anterior, e repito: não sairemos os mesmos dessa pandemia.