- Especial
- 2 de fevereiro de 2021
Padre Fabiano | A procissão de Nossa Senhora dos Navegantes
Após um período de merecidas férias, onde pude descansar a cabeça do tsunami vivido em 2020 devido à pandemia e suas consequências espirituais, psicológicas e econômicas, é hora de voltar às atividades paroquiais, intelectuais e jornalísticas. Retomo minhas colunas no Giro escrevendo sobre a maior festa religiosa de Porto Alegre, e que tem seus reflexos em Gravataí, a festa de Nossa Senhora dos Navegantes.
No bairro Boa Vista temos a Capela Nossa Senhora dos Navegantes, atendida pela Paróquia Nossa Senhora das Graças, que terá sua missa hoje às 19 horas; e o Clube Caça e Pesca, no Parque dos Anjos, durante muitos anos promoveu a procissão fluvial em honra a Nossa Senhora dos Navegantes.
A história da procissão de Navegantes em Porto Alegre remonta ao ano 1870, quando portugueses que moravam na cidade resolveram criar uma devoção à virgem protetora dos navegantes. João José Farias, Joaquim Assumpção, Joaquim Antônio Campos, Francisco de Lemos Pinto e outros lusitanos, eram proprietários de barcos à vela vinculados ao transporte marítimo e tiveram a ideia de iniciar na cidade a devoção à Maria, mãe dos marujos.
Encomendaram uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes ao escultor português João de Affonseca Lapa, morador da Vila Nova de Gaia, que executou o serviço por meio conto de réis. A imagem veio para Porto Alegre por intermédio de três porto-alegrenses que estavam em Portugal comprando barcos; eram eles João Joaquim Campos, Francisco de Lemos Pinto e João José de Farias, donos , respectivamente, dos barcos Rio Grande, Prontidão e Porto Alegre.
Os três iates chegaram a Porto Alegre em janeiro de 1871. Próximo à data da chegada da imagem à capital riograndense, a Igreja celebrava – e ainda celebra – a festa da Apresentação de Jesus no Templo, no dia 02 de fevereiro. Segundo a lei judaica, o primeiro filho deveria ser consagrado a Deus, preferencialmente no Templo. Jesus era o filho mais velho – e único – de José e Maria, e eles o apresentaram no Templo de Jerusalém, onde dois profetas, Simeão e Ana, profetizaram a missão de Jesus entre os seres humanos: ser o messias salvador. A Igreja Católica celebra isso a cada dia 02 de fevereiro, e é uma importante celebração litúrgica. Essa data foi escolhida pelos lusitanos porto-alegrenses para celebrar Nossa Senhora dos Navegantes.
Não havia em Porto Alegre uma igreja dedicada a Nossa Senhora dos Navegantes, por isso a festa foi realizada na Igreja Menino Deus, na Zona Sul, sendo antes exposta na Igreja Nossa Senhora da Conceição, ficando ai até o dia 29 de janeiro, quando foi conduzida, de barco, até a Igreja Menino Deus. No dia 20 de janeiro de 1875, a Sra. Margarida Freire de Andrade Paiva, doou um terreno para a construção de uma igreja. Já no dia 02 de fevereiro, a quinta festa de Navegantes foi realizada neste terreno onde seria construída a igreja, que foi destruída por um incêndio no início do século XX, assim como a imagem original. Outra foi encomendada ao mesmo escultor, e a atual igreja foi construída.
A procissão de Navegantes de Porto Alegre é o maior evento religioso da cidade, talvez do estado, reunindo, anualmente, cerca de cem mil pessoas, não somente católicos, mas também umbandistas, que no mesmo dia 02 de fevereiro celebram Iemanjá, o orixá das águas. O sincretismo religioso fez com que Nossa Senhora dos Navegantes fosse associada a Iemanjá, uma divindade das religiões de matriz africana.
Embora sendo muito diferentes uma da outra, uma vez que Iemanjá é considerada uma divindade, enquanto Maria é uma criatura humana escolhida para ser a mãe de Jesus, e não tem natureza divina, a inculturação é uma realidade, o sincretismo aconteceu, e o diálogo inter-religioso permite que duas religiões se reúnam no mesmo dia para celebrar, e torna muito rica a festa. Em 2010, a procissão foi homologada como Patrimônio Imaterial da Cidade de Porto Alegre, passando a ser, além de um evento religioso, um evento cultural da cidade.
Nunca participei da procissão de Navegantes, mas assisto pela TV. É um espetáculo, e fico refletindo sobre a religiosidade popular. Há tantos intelectuais e políticos, e até os intelectuais da academia facebookeana – o Facebook tem revelado muitos doutores em economia, política, filosofia e até teologia – que bradam sobre uma laicidade do Estado, sobre religião não ser importante, sobre tirar a religião da esfera pública. Ou nunca assistiram uma procissão de Navegantes, de Medianeira em Santa Maria, nunca foram a Aparecida ou a Caravaggio, ou não são tão democráticos quanto dizem, pois não percebem ou não respeitam cem mil pessoas que, todo dia 02 de fevereiro, vão até o Santuário de Nossa Senhora dos Navegantes e choram olhando para a imagem da mãe de Jesus, fazem seus pedidos, seus agradecimentos.
Antes do dia 02, a imagem de Navegantes fica no Santuário Nossa Senhora do Rosário, na Vigario José Inácio, e ali, tantas outras centenas de milhares de pessoas passam para rezar e fazer seus pedidos para a Virgem Protetora dos Marujos. Que neste dia 02 de fevereiro, Nossa Senhora dos Navegantes interceda por todos os leitores do Giro de Gravataí.