- Especial
- 20 de julho de 2022
Há 20 anos uma Pirâmide chegava a Gravataí trazendo os grandes nomes da música
Quem viu custou a acreditar. Mais difícil de crer ainda é para aqueles que só ouviram falar. Mas na madrugada entre os dias 30 e 31 de agosto de 2004, moradores de Gravataí puderam comer um churrasquinho na parada 68 ao lado do Chorão, do Charlie Brown Jr.
A cena pode parecer tão surpreendente quanto ver o Alexandre Pires comprando uma camisa no shopping em Cachoeirinha. Para entender o que o roqueiro e o pagodeiro faziam na região, é preciso lembrar que bem na parada 61, quase na divisa entre Gravataí e Cachoeirinha, existiu uma Pirâmide, uma casa de shows que marcou a história.
A Enigma, não ficou apenas na história da cidade, mas também foi um ícone da cultura e da música em toda a região. A emblemática noite do Chorão no Churrasquinho, por exemplo, aconteceu ao final da segunda noite seguida de shows do Charlie Brown Jr no local. A única vez na história em que a banda de Santos tocou duas vezes seguidas em um mesmo endereço.
“O Chorão estava tão feliz que quando acabou o segundo show ele não quis ir pro hotel. Foi comer o churrasquinho na 68”, lembra Márcio Pires, um dos sócios e fundadores da casa, ao lado de Nelson Pereira, o Nelsinho DJ.
Já o show de Alexandre Pires, também não foi apenas mais uma apresentação do cantor. O público de Gravataí foi o primeiro a sambar com os sucessos do mineiro depois de sua apresentação para o presidente dos Estados Unidos na época, George W. Bush, na Casa Branca.
Concebida com o nada modesto desejo de ser a maior casa de shows do Rio Grande do Sul, a Enigma foi palco de muitas histórias. Que outro lugar do Brasil recebeu em uma mesma noite shows de Comunidade Nin-Jitsu e É o Tchan?
Foi também na danceteria, que contava com pista eletrônica, dois palcos para shows, cinco bares e estacionamento para 1.200 carros, a primeira vez em que o Armandinho tocou para mais de cinco mil pessoas. “Meu grande orgulho! Ele chorava”, lembra Márcio Pires.
“Diziam que era uma maluquice, que iríamos falir”
Há exatos 20 anos, na noite de 20 de julho de 2002, imprensa e autoridades municipais, estaduais e até representantes da presidência da república, participavam da cerimônia da abertura da Enigma, que, um pouco mais tarde, ainda naquele sábado, receberia cerca de 15 mil pessoas para assistir ao show da Tribo de Jah, que marcava a inauguração da danceteria. Naquela noite, foram vendidas 90 mil latinhas de cerveja.
O objetivo era ousado. “Tínhamos a referência do Planeta Atlântida. Mas acontecia só uma vez por ano. Queríamos fazer um planeta por semana”, conta Pires, que tinha apenas 21 anos na época. Antes de ser sócio em de uma casa de shows, o jovem organizava festas com o Grêmio Estudantil da Escola Tuiuti, em Gravataí. Depois de formado, seguiu com a atividades, junto com o Nelsinho DJ, mas os locais da cidade não tinham espaço para festas jovens. Foi quando a dupla resolveu criar uma casa para receber os grandes shows, de músicos consagrados.
No entanto, a resposta mais comum que ouviam os jovens empreendedores era que a ideia não daria certo. “Diziam que era uma maluquice, que iríamos falir”, lembra Pires. Mesmo assim, os dois seguiram em frente, investiram o pouco que tinham para realizar o sonho.
Para receber a Enigma, foram vistos imóveis nas paradas 66, 69 e 71, mas nenhum agradou. Até que surgiu a nova loucura, um terreno baldio, com um lago, na parada 61, onde não havia nada, nem parada de ônibus. “Tínhamos a visão que ali seria perfeito, não haveria uma vizinhança para ser incomodada”, explica Pires.
E naquele espaço, onde antes não havia nada, foi erguido um pavilhão, lonas foram colocadas, palcos tomaram forma e uma pirâmide construída na entrada. A maluquice que não daria certo, a obra faraônica que levaria os dois jovens a falência, não fez jus às maldições e profecias apocalípticas. Como se abençoada pelos deuses egípcios, tornou-se um fenômeno.
Aos faraós visionários que criaram a Enigma, juntaram-se parceiros importantes como a Multisom e a Atlântida. A estratégia também foi importante. Muitos artistas eram contratados para tocar na semana seguinte a que participavam no Domingão do Faustão, de modo que sempre divulgavam os shows em rede nacional.
“O Engima pra mim foi o estase da minha carreira”, relembra Nelsinho DJ. “A gente viu que o pessoal estava precisando de uma casa desse tipo. A região estava carente de algo desse porte”, comenta. O DJ conta animado que no auge do Enigma, os artistas nacionais faziam questão de lançar turnês e novos trabalhos no Enigma. “Quando vinham ao Sul, era no Enigma que eles queriam tocar”, diz.
O público não vinha apenas de Gravataí e Cachoeirinha, mas da Região Metropolitana e até da Serra. Com camarotes para a classe A, pista para a classe B e espaços para a classe C, a danceteria recebia todos os públicos. Em uma época na qual as redes sociais apenas engatinhavam, com o pioneiro Orkut, o investimento em marketing era pesado. Enigmetes, lindas mulheres faziam a entrega de panfletos em forma de triângulo. A marca virou grife.
Com o sucesso da casa da pirâmide, Nelsinho e Marcio projetavam crescimento. Planejavam transformar Gravataí na sede do maior complexo de entretenimento noturno da América Latina. O local teria hotel, restaurantes, parque aquático, entre outros. No entanto, o cenário econômico mudou, os cachês cresceram.
Se antes a enigma trazia um grande show por semana, isso acabou se tornando inviável. Com o tempo era um show nacional por mês, mas isso também ficou caro.
Essa mudança de cenário fez com que os dois sócios reavaliassem a expansão do projeto. Em 2004, após a casa passar por reformas, Nelson e Marcio alugaram para uma nova administração a Enigma. Em 2005 a casa sofreu um incêndio e quando voltou já tinha outro nome e não trazia mais os grandes shows que marcaram época na cidade.