- Especial
- 26 de fevereiro de 2024
André Valdez | O Rugido da Onça Negra ecoou em um dos melhores desfiles dos seus 63 anos
Era pontualmente 1h20, no romper da madrugada de sábado (24), quando soaram as sirenes que anunciavam a sexta escola da primeira noite de desfiles da série Ouro de Porto Alegre. Ao ingressar na avenida Carlos Barcellos, no Complexo Cultural Porto Seco, a voz do mais jovem presidente da história da entidade gravataiense, Anderson Nascimento, conclamava aos mais de mil e quinhentos componentes para nação vermelho, preto e branco, para que todos cantassem o samba-enredo juntos e em uníssono.
Vociferou Nascimento no microfone, num misto de apelo e desabafo, e eu que estive ao seu lado, momentos antes de ingressar na avenida, pude constatar de perto toda sua exaustão e ao mesmo tempo satisfação e alento ao ver o esforço de seu trabalho realizado durante aproximadamente quase um ano. Seu rosto dava visíveis sinais de cansaço, fruto do esgotamento dos últimos meses e culminaria naquela noite, ou seja: o trabalho de um ano inteiro sendo passado a limpo em 60 minutos.
Sim, eu precisei mais do que 24 horas pra tentar descrever o que minhas velhas retinas viram, desde o aquece no barracão até a dispersão da agremiação gravataiense que deixou o passarela aos brados de ” É campeã, é campeã!”. Um misto de apreensão, expectativa, euforia e medo tomavam conta do barracão minutos antes da agremiação gravataiense aportar na passarela. Medo esse que é justamente o combustível para a chama do espetáculo acontecer.
Cada minucioso detalhe é imprescindível para não colocar em risco o trabalho árduo de um ano inteiro. O ajuste nas alegorias de última hora, a fantasia mal acabada, os retoques finais que não poderão passar batidos pelo corpo de jurados, a afinação, o cadenciamento, a evolução, a harmonia, a sincronia da mestre sala e da porta bandeira, a altivez da porta estandarte e a sapiência sonora do mestre de bateria. As pequenas desavenças, os conflitos internos terão que ficar do lado de fora da avenida e, assim, sumirem em tempo recorde, pois é hora da tristeza ser rebaixada e a alegria ganhar a nota máxima.
A entrega, a paixão, a devoção de cada integrante deveria ser objeto de estudo de todos aqueles que participam ou somente meros espectadores. Pois, foi justamente ao ingressar na avenida que a sexagenária escola deixou todo e qualquer problema para trás com o intuito de fazer uma apresentação histórica no Complexo Cultural Porto Seco. Mostrou alegorias e fantasias luxuosas com acabamentos que surpreenderam a todos que acompanharam o desfile. Afinal, irreverência e alegria foram as marcas do tema que a escola trouxe para seu desfile.
A presença de antigos carnavais em uma versão contemporânea: foi assim que Onça Negra de Gravataí demonstrou toda sua magia por meio do seu enredo “A trupe da Onça Negra Apresenta: no Palco da Fantasia Entra em Cena a Commedia Dell’arte”. O desfile iniciou mostrando contos medievais e todo conceito histórico da época que serviu de plano de fundo para inspirar o surgimento do teatro do povo e neste mesmo período ajudariam a popularizar o pierrô, arlequim e colombina.
A escola ainda abordou a forma inicial de teatro profissional originária da Itália ainda na idade média, e como a Commedia Dell’Art “ foi imprescindível para contribuir para a exploração da linguagem cômica.
O período medieval foi representado no carro abre-alas na figura de um imponente e enorme dragão. A alegoria também apresentava um castelo, acoplado, com integrantes representando o triângulo amoroso vivido pelos clássicos Colombina, Pedrolino e Arlequim em meio aos festejos da realeza. Além do figurino colorido de seus personagens, a Commedia Dell’Art possuía outra característica muito peculiar: o uso de máscaras, que também foi bastante evidenciado ao longo do desfile em muitas alas da escola.
Nem mesmo a Onça Negra, o maior símbolo da escola, escapou de participar da Commedia Dell’arte e surpreendeu a todos, surgindo imponente e mascarada no último carro alegórico da escola a entrar na avenida, ao contrário de anos anteriores.
Sim, é possível dizermos: a Acadêmicos de Gravataí é uma das francas candidatas ao título inédito de uma entidade carnavalesca da grande Porto Alegre de 2024. Ela fez um desfile que a consolida como uma das grandes escola de samba da cidade, mesmo não sendo efetivamente da capital. A apresentação histórica da escola de samba gravataiense lhe alça a um novo patamar e vislumbra possibilidades de sonhos maiores e possivelmente realizáveis.
Creio que esse desfile tenha sido um marco na história da cidade e da entidade carnavalesca. Comandada por Nascimento, surpreendeu a todos no desfile realizado na madrugada de sábado.
A escola de samba chega a sua maturidade sexagenária, tendo finalmente encontrado o abrigo necessário na juventude e nas propostas inovadoras do seu presidente Anderson Nascimento, como a presença de uma intérprete de libras junto à harmonia da Acadêmicos, aliando assim, carnaval, inclusão e acessibilidade. Portanto, abram alas, que o rugido da “Onça Negra” vai ecoar, e pode surpreender na segunda-feira, dia da apuração dos desfiles das escolas de samba de Porto Alegre.
Afinal, como cantaram em seu próprio samba enredo: A trupe do povo, pode aplaudir ! Um grande amor que inspirou e que está fazendo a Onça Negra sonhar.