André Valdez | Eduardo & Mônica

André Valdez | Eduardo & Mônica
Continua Depois da Publicidade
Se encontraram no parque da cidade, a Mônica de moto e o Eduardo de camelo. Foto: Divulgação

Depois de quase dois anos de abstinência cinematográfica por conta dessa indigesta pandemia, aproveitei o calor escaldante que fazia na cidade para me refugiar no melhor lugar possível para arrefecer as insuportáveis temperaturas das últimas semanas: o ambiente climatizado da sala de cinema. E lá fui eu, fagueiro, serelepe e com cabelos ao vento. O que no meu caso, seria possível dizer com a minha calvície exposta a um sol de um verão implacável, resolvi rumar para o Gravataí Shopping Center para as salas de cinema do Arcoplex com o intuito de assistir Eduardo & Mônica, filme baseado na canção de mesmo título da Legião Urbana.

Continua Depois da Publicidade

Antes de continuar, eu preciso explicar a minha forte ligação com a banda brasiliense para que você, leitor, entenda o que significado da escolha deste filme para o meu retorno a sala de cinema para curtir duas das minhas paixões: cinema e música.

Meu vínculo com a Legião Urbana inicia-se na adolescência, já no primeiro álbum deles, de 1986, tendo em seu repertório canções como Soldados e Por Enquanto. Ali, eu descobriria a voz grave de Renato Manfredini Júnior e suas músicas com resquícios do punk rock heranças da já extinta Aborto Elétrico que Renato Russo, também foi líder e vocalista com suas letras sensíveis e politizadas, uma identidade que imprimiria e marcaria suas principais características no cenário rock dos anos 80 no período pós Rock in Rio.

Continua Depois da Publicidade

A catarse provocada pelas letras de Renato Russo era notória nos shows e o seu apelo como artista completo me tocaram de imediato, quase um encontro transcendental, a ponto de achar que o letrista da Legião escrevia exclusivamente para mim. Sim, dado momento eu acreditava que o filho de Dona Carmem, era meu melhor amigo e fazia uma espécie de biografia musical da minha vida. Nada de anormal, para adolescentes que acham que a vida lhe deve eternas reverências.

Essa súbita paixão musical, se estreitou com chegada do segundo disco da Legião às lojas de todo país, em 1987. Nesta época, a banda abandonou o punk e se aproximou da sonoridade do The Smiths em canções que falavam das angústias juvenis, expectativas, perdas, conquistas e sonhos. Assim, Renato Russo foi alçado à condição de guru de uma geração. O disco Dois é considerados por muitos, inclusive por mim, o melhor trabalho da banda, o álbum contava com um desfile de hits radiofônicos, que se tornaram conhecidas do grande público: Quase Sem Querer, Daniel na Cova dos Leões, Fábrica, Acrilic On Canvas, Índios e o suprassumo da sensibilidade Andrea Dória. Mas, a canção que me arrebatou de vez, foi a linda história de amor de Eduardo e Mônica, uma das melhores do disco e que embalou os sonhos de muitos jovens.

Continua Depois da Publicidade

Certas canções conseguem construir narrativas muito visuais a ponto de serem um roteiro praticamente pronto para ser filmado ou encenado. É o caso da história de amor do casal Eduardo e Mônica, que desde as primeiras audições eu imaginava sendo retratada nas telas dos cinemas. Essa canção marcou minha vida, embalou meus sonhos e me fez acreditar que era possível vivenciar lutas, superar derrotas e celebrar as vitórias em nome do amor, tal qual os personagens cantados em verso e prosa.

Uma das maiores bandas brasileiras de todos os tempos, a Legião Urbana talvez seja a detentora de ser a única banda de rock nacional a possuir três produções cinematográficas e ter suas músicas e sua trajetória transpostas para teatro e cinema em obras como Somos Tão Jovens 2013, Faroeste Caboclo 2013 e Renato Russo, a Peça 2006, e e mais recente produção Eduardo & Mônica 2022.

Continua Depois da Publicidade

Mesmo não sendo possível denominararmos essa transição para cinema e teatro numa convergência digital, chamamos então de transposição legionária.
Fazendo com que a banda saisse dos palcos da vida e ganhasse as salas de cinema de todo país.

Mesmo com o fim da banda em 1996 devido a morte de Renato Russo a chama legionária não se apagou, sua arte seguiu viva migrando dos Lp’s para serem eternizadas em películas cinematográficas.

Continua Depois da Publicidade

O filme Eduardo & Mônica inicia exatamente como relatado na música, por isso não corro risco de dar spoilers indesejados. A enigmática e nonsense Mônica, não dá bola e nem ouvidos ao afoito e atrapalhado Eduardo, que só tenta impressionar. Graças a sua insistência e ingenuidade, ele consegue chamar atenção da moça “diferentona”, que além de ser acadêmica de Medicina, fala alemão e é artista plástica. Já Eduardo, participa de disputadíssimos campeonatos de botão com seu avô. É neste primeiro ato que ele consegue minimizar as apocalípticas diferenças com Mônica, protagonizando um dos momentos mais bonitos e dóceis do filme, tendo as conchas do Planalto como cenário e testemunhas do amor que nasce ali, naquela noite, entre sombras e risadas.

Quem espera encontrar um filme recheado de clichês e canções do repertório da Legião Urbana será surpreendido pela trilha sonora que vai de Tim Maia a Joy Division passando por Bonnie Tyler com a música Total Eclipse of the Heart, num dos momentos mais emocionantes e marcantes do filme.

O roteiro acentua as enormes de diferenças de um casal classe média por meio de diferentes pontos de vistas ideológicos e familiares e retrata o abismo cultural que existe entre os protagonistas. Falando neles, a dupla de atores Alice Braga, que vive a misteriosa Mônica, e Gabriel Leone, que interpreta o disperso Eduardo, possui uma boa sintonia em cena e não comprometem o filme.

Continua Depois da Publicidade

Nada que o amor e o tempo não superem. Assim, como na letra homônima de Renato Russo, Mônica tenta trazer Eduardo para o seu mundo, dividindo sua arte, seus amigos, seus discos, sua exposição, suas músicas e a vontade de também aprender com ele, apesar da aparente diferença de idade. Eduardo, por sua vez, sai da condição de menino para se transformar em homem. Algo que será percebido na primeira visita da sua amada à casa onde mora com seu avô. A cena de um menino arrumando seu quarto para recepcionar a primeira namorada é uma das mais emblemáticas e deflagrará a transição para a vida adulta.

No decorrer do filme, as diferenças serão cada vez mais notórias, mas a paixão não sucumbirá e esse é o motivo pelo qual a história prende os espectadores e a torcida pelo casal aumenta exponencialmente no decorrer da trama. A diferença e os conflitos de gerações são retratados em algo, que fica muito evidenciado na figura do retrógrado avô de Eduardo, numa frustrada tentativa de reconciliação de mundos opostos em que eles não deveriam, se quer, serem apresentados. Mônica logo entra em rota de colisão seu avô, um militar reformado, vivido pelo ator Otávio Augusto . Trata-se de uma crítica sutil ao período obscurantista atual e aos anos de chumbo, já que a história se passa no início dos anos 80.

Para quem viveu os áureos anos 80, vale a pena conferir Eduardo & Mônica. Até mesmo para você, que não os viveu a referida década, vale a pena também. Tem sonhos, magia, uma ótima trilha sonora e uma fotografia de destaque. Os protagonistas transmitem cumplicidade e é possível se emocionar do início ao fim da trama, mesmo com o final feliz antecipado pela canção.

Ainda assim, me senti a vontade para dar um pequeno spoiler sem comprometer: a Mônica gostava do Bandeira e do Bauhaus, Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud, atentem-se para isso.

Para finalizar, não resisto em fazer algumas percepções que tive ao sair do cinema. Primeiro, com a evolução dos celulares, a profissão de lanterninha tornou-se desnecessária e obsoleta. Segundo, infelizmente, jamais fui contemplado com uma batalhadora, irrefreável e encantadora Mônica na minha vida.

E, por fim, depois de muito escutar essa que foi uma das canções da minha vida, sai do cinema cantarolando com a voz embargada e ao mesmo tempo com uma dualidade de sentimentos e uma enorme vontade de dizer a mesma coisa que os protagonistas diziam um ao outro. E com uma dose nada generosa de sarcasmo, bradei baixinho e sozinho a mim mesmo: Renato Russo, eu também te odeio.

O Arcoplex do Gravataí Shopping Center está com uma promoção. Entre amanhã (03) e domingo (06), os ingressos, que normalmente custam R$ 26, estarão à venda por R$ 12.

Continua Depois da Publicidade
Continua Depois da Publicidade

Notícias Relacionadas

Ambev pausa a fabricação de cerveja para envasar água potável no RS

Ambev pausa a fabricação de cerveja para envasar água…

  A gigante do setor de bebidas, Ambev, anunciou a interrupção temporária na produção de cerveja em sua fábrica sediada em…
Rio Gravataí registra declínio gradual e baixa para 6,15m

Rio Gravataí registra declínio gradual e baixa para 6,15m

  Um novo boletim divulgado na manhã desta quarta-feira (08), divulgado pela Agência Nacional de Águas mostra que o nível do…
GM em Gravataí mantém produção suspensa por conta das chuvas no RS

GM em Gravataí mantém produção suspensa por conta das…

  A General Motors informou que a produção na fábrica de Gravataí, RS, está temporariamente suspensa, afetando a montagem dos modelos…