Amon Costa | Nazário, a história que a história não conta

Amon Costa | Nazário, a história que a história não conta
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Capa do Livro lançado pela editora Coragem em 2020.

Leia o livro! Sim, um novo e desconhecido capítulo da história de Gravataí foi descoberto, com o livro “Nazário e um plano de rebelião escrava na Aldeia dos Anjos”, ler é tarefa importantíssima para entender como a sociedade funcionava em meados do século XIX. Cada vez que um historiador abre uma gaveta fechada da história, o presente se altera, atualizamos nossas ideias e idealizações, de quem somos e o que fomos; portanto, começo informando que vou dar “spoilers” do livro do Historiador Wagner de Azevedo Pedroso.

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A data para começar a entender a revolta na Aldeia é 4 de setembro de 1850, na qual foi proibido o lucrativo tráfico de africanos escravizados, a chamada Lei Eusébio de Queirós foi promulgada por pressão britânica que tinha interesses econômicos nos países que ainda mantinham a base de sua economia na mão de obra escrava.

Segundo a pesquisa do historiador Moacyr Flores, registrada em seu livro a “História do Rio Grande do Sul”, o documento mais antigo que trata da escravidão no RS é a ata da Câmara de Vereadores de Porto Alegre em 1789 que faz menção ao capitão do Mato Estácio Dutra e seus trabalhos.

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Em 1850 o Ministro da justiça Eusébio de Queirós.
Anúncio de fuga no jornal RJ de 1834.

A pressão social aumentou muito com os escravizados depois de 1850, bem como sua valorização comercial, criando um fértil mercado interno entre os estados do império Brasileiro, com o tráfico de pessoas escravizadas. Na pesquisa de Wagner, ele argumenta que as relações sociais e a dinâmica das relações entre senhores de escravos e escravizados mudou para pior.

A fuga era uma forma de resistência, não se submeter às condições de cativeiro e de humilhação diária, era uma medida extremamente corajosa e desesperada, os riscos eram enormes e, o pior deles a recaptura; afinal, as fugas balançavam o sistema social e econômico escravista pois o trabalho escravizado era o centro de toda a produtividade da sociedade.

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A lei imperial brasileira julgava os escravizados por um tribunal do júri de homens brancos, de posses e livres, em alguns casos os fugitivos eram condenados à morte para dar o exemplo; em outros casos comuns, eram submetidos a severos castigos físicos.

A indignação e revolta dos escravizados chegou ao limite máximo no dia 24 de maio de 1863 aqui em Gravataí, mais precisamente em um Domingo às vésperas da Festa do Divino Espírito Santo. O comunicativo Nazário com 28 anos na época, era escravizado de Senhor Francisco Antônio Maciel; aproveitando-se de certa mobilidade entre as fazendas, Nazário percorreu consideráveis distâncias, planejando, organizando e convencendo outros cativos para que se unissem a rebelião contra o sistema.

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O plano era organizar-se, pegar em armas, atacar os senhores de escravos e fugir em direção ao interior do estado até chegar na Província de Unidas (atual Argentina). Como o controle social era tremendo sobre os escravizados, o plano foi descoberto com antecedência e 7 dos rebeldes fugiram em direção ao Rio dos Sinos, provavelmente via Morungava.

Entre 1864 e 1865, mesma época da rebelião na Aldeia dos Anjos, o cotidiano de escravizados fotografados por Cristiano Junio, Museu Histórico Nacional RJ.

Os personagens do livro são reais, os sete que fugiram são: Antônio, Luís, José, Manoel Rafael, Bento, Alexandre e o líder Nazário, os dois últimos assassinados na beira do Rio dos Sinos. Foram julgados pelo planejamento e participação da rebelião os escravizados Ancieto, Claudino, Feliciano, Manoel Capitão, Matheus, Quinto e Salvador.

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A minuciosa pesquisa do Wagner Pedroso, nos traz detalhes não só do processo, mas também se ateve a descrição dos locais, dos documentos de inventário familiares com as posses e características das propriedades, criando toda uma atmosfera que transporta o leitor para o século XIX da rural Aldeia dos Anjos.

No livro, identificamos os locais como: o Passo da Taquara, Passo Grande, Morro do Itacolomi, Passo do Butiá , Santa Cristina do Pinhal e o centro da Aldeia dos Anjos.

No dia 17 de Agosto de 1863 começou a se desmanchar o plano de rebelião na Aldeia dos Anjos que, desconfiados e com boatos da rebelião circulando pela Aldeia, Coronel Sarmento iniciou “interrogatórios” até conseguir algumas confissões dos cativos; sabe-se que a prática de tortura por parte das autoridades sempre foi comum para obtenção de delações e confissões.

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Somente no dia 24 de Agosto, os senhores da Aldeia tomaram as providências para a repressão, um clima de terror se instalou na cidade, todos os escravizados estavam com medo e ameaçados, alguns foram presos preventivamente e muitos outros interrogados. Nazário e os outros foram surpreendidos com a delação e fogem em direção ao que é hoje o município de Taquara.

A escravidão foi a base econômica do Brasil durante séculos, vale lembrar que esta prática horrível, desumana e altamente condenada nos dias de hoje, era uma pratica incentivada pelo estado Brasileiro, era legalizada pelo sistema legislativo e tolerado pela religiosidade como um todo.

Único túmulo do cemitério municipal com o brasão do império, Tenente Coronel Sarmento.

Temos alguns personagens escravistas do momento da revolta que se destaca o Tenente Coronel André Machado de Moraes Sarmento, atualmente nome de rua no centro de Gravataí e era como se fosse o delegado de polícia na época, coincidentemente era o Imperador da Festa do Divino, Antônio Dias Fialho era subdelegado da Aldeia dos Anjos, temos também Antônio Pahim de Andrade, Francisco Antônio Maciel, Innocente Ferreira Maciel, Januário Gomes Pahim, João Antônio Alves, Manoel Jośe de Barcellos e outros nomes bem populares na cidade envolvidos na repressão da rebelião.

Foi no domingo, 30 de Agosto, depois de 4 dias de fuga, entre duas e três da tarde às margens do Rio do Sinos que, o sonho de liberdade dos escravizados se acabou, os rebeldes não estavam dispostos a se entregar e resistiram à prisão, o confronto resultou na morte de Alexandre e o líder Nazário, os outros cinco se entregaram após o confronto.

Os capturados e os delatados foram processados e julgados, processo que durou sete meses e concluído dia 7 de abril de 1864, alguns foram condenados a 50 açoites, outros a carregar o Libambo no pescoço (um ferro que identificava o escravizado fugitivo).

Capa do Processo crime 10 setembro de 1863.Foto 9: Acusação fala que desde 24 de Maio Nazário já planejava a insurreição na Aldeia dos Anjos. Documentos do Arquivo Público do RS.

Com uma determinação metodológica detalhista, o historiador vai no fundo das palavras do processo crime, cruza dados com os inventários, cartas de alforria e testamentos para escrever essa página da história de Gravataí.

A cada dia que passava, cada traço, cada letra, ia se tornando cada vez mais comum ao meu olhar e com o tempo minha preocupação se tornou em prazer ao conseguir acompanhar os relatos das pessoas que estavam presente naquele processo.” Wagner de Azevedo Pedroso

O fato histórico abalou de vez as estruturas escravocratas de Gravataí, muito já se debatia a abolição da escravatura, muitos quilombos já estavam formados, a resistência e a luta contra a escravidão eram permanentes, fico imaginando a coragem de Nazário que sabia dos riscos e perigo que corria ao desafiar os poderosos, em Gravataí, o Quilombo Manoel Barbosa no Barro Vermelho tem suas origens em escravizados libertos poucos anos após a rebelião da Aldeia.

Lutar, resistir e persistir, a cada carreta de bois tocada por carreteiros lá pelas bandas da Santa Tecla, Morro Agudo e Itacolomi. Nazário se faz presente, em cada festa animada ao som dos Catutas Boys no Beco dos Catutas; em cada adereço costurado e customizado para o Acadêmicos de Gravataí entrar na avenida, a própria história de fundação da Associação Cultural Beneficente 6 de Maio, um dos mais importantes Clubes de Negros do Estado do RS, tem como pano de fundo uma conversa ao pé de uma figueira. Nazário estava lá com certeza!

Em cada terreira da cidade e no Axé do saudoso Pai Sadi, na roda de samba, na valentia e destreza do capoeirista e em cada avanço contra o sistema racista brasileiro, os “Nazários”, “Dandaras”, “Zumbis”, “Lanceiros” se fazem presentes, pois é através da luta que resistimos, persistimos e de certo modo, nos encontramos.

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