- Especial
- 9 de fevereiro de 2023
Amon Costa | 10.000 vezes Torres
Certa ocasião perguntei nas minhas redes sociais: quem seria o gravataiense ou morador de Gravataí mais importante da história? Não importando se já falecido ou em plena vida. Vários foram os nomes que apareceram nas indicações dos internautas, como o do Padre Pedro Wagner, do político José Loureiro da Silva, da educadora Dona Wilma Camargo, do médico Dr. Luiz Bastos do Prado, do ex-prefeito Dorival Cândido Luz de Oliveira, dentre outros. O post ficou no ar por um bom tempo e, quando fiz a computação dos votos, o mais citado foi o Dr. Floriano Castilhos Torres, hoje com 87 anos.
Em uma conversa com a presidente da Associação dos Médicos de Gravataí, a Dra. Yara Helena Cherem Netto, falávamos sobre a história da Medicina aqui em nossa cidade. Foi por iniciativa dela a intermediação de um bate-papo com o Dr. Torres, que atualmente está aposentado e cuidando da sua saúde.
– Medicina é ciência e arte. Homens corajosos e dedicados como o Dr. Floriano Torres assumem uma missão. Onde tinha muito pouco recurso, juntamente com as Irmãs do Imaculado Coração de Maria, fizeram o melhor que conseguiram. Elas por vocação religiosa e para ele a Medicina foi um propósito de vida. Atualmente, a Medicina é muito mais fácil do que no tempo dele. No ano que passou, fizemos uma linda homenagem, que ocorreu na Câmara de Vereadores para os outros colaboradores da saúde: Dr. Francisco Sérgio Feijó, Dra. Luiza Augusta Roennau Cabral e a Dra. Glair Cardoso Bail. Eu cultivo o meu mais profundo respeito às pessoas que tem coragem de desbravar. Dra. Yara Helena – Presidente da Associação dos Médicos de Gravataí
Nascido em 3 de junho de 1935, em Bagé, chegou à Gravataí a convite do Dr. Luiz Bastos do Prado, que tinha um sonho: construir uma casa de saúde em Gravataí. A tarefa do Dr. Luiz era encontrar alguém que fizesse obstetrícia geral. Bingo! Depois de algumas indicações, chegou no nome do jovem bageense Floriano.
O médico trabalhava no município de Casca quando recebeu as correspondências com a oferta de trabalho do Dr. Luiz. Quando chegaram as cartas, ele ficou relutante para aceitar o convite, falou com os outros amigos médicos, pedindo conselhos. Todos foram peremptórios:
– Não vai Torres! Gravataí não tem nada a oferecer!
Foi no ano de 1958 que Torres pisou pela primeira vez aqui na Aldeia. Veio dirigindo ele mesmo a ambulância do Hospital Lazzarotto para trazer um paciente que havia recebido alta. Aproveitando assim para conhecer a cidade na qual lhe foi oferecido emprego.
– Meu pai em sua sabedoria popular me avisou: se a cidade tiver os telhados com telhas novas, ela está em franco progresso, mas se olhares para os telhados e a grande maioria for de telhas velhas (coloniais), a cidade está em decadência. Adivinha? Nos anos 50 o Centro de Gravataí só possuía telhas do estilo antigo.
O médico, de início, negou o convite. Passados alguns anos, foi determinante a influência do Seu Beanor Fonseca da Farmácia em fazer as apresentações do Dr. Luiz e sua esposa Dinorah à esposa do Dr. Torres, que acabou aceitando o convite de vir se fixar na Aldeia.
– Cheguei em 1963, e aluguei o consultório do Dr. Luiz, que já estava muito doente e não atendia mais. Os primeiros seis meses foram difíceis. Quando eu fui conhecer o Hospital Dom João Becker, eu caí do cavalo! Não tinha estrutura nenhuma! A cidade tinha apenas três médicos: o Dr. Flávio da Costa Valente, Dr. Júlio Fischer e eu como guri da época.
Em pouco tempo na cidade, se tornou o Diretor do Hospital Dom João Becker. Já em 1965, foi em busca de recursos para tirar do papel um projeto de ampliação e modernização do Hospital. O Dr. Torres sublinha com entusiasmo que uma pessoa fundamental para tal feito foi diretor da Caixa Econômica Federal Kanitar Camboim Martins, que concedeu um super empréstimo para o projeto do Hospital, tudo isso avaliado e como fiador o CPF do próprio Dr. Torres.
O dinheiro do empréstimo permitiu a construção do que é hoje o primeiro andar do Hospital Dom João Becker, inaugurado em 1968.
– Conseguimos construir mais de 1800m²: três berçários, blocos cirúrgicos, sala de recuperação, uma maternidade, um luxo que era nosso orgulho na época. Fui um louco em colocar o meu nome naquele empréstimo. Hoje vejo o quanto foi importante para a cidade toda.
O Dr. Floriano Torres foi diretor do Hospital Dom João Becker de 1965 a 1971 e depois de 1992 a 1999. Como obstetra, chegou à incrível marca de mais de 10.000 partos só em Gravataí. Nestes últimos 50 anos são raras as famílias que não possuem alguém que nasceu pelas mãos do doutor. Fez o parto do filho Fernando, em 1971, uma raridade pois não é aconselhado que se opere parentes, os demais 3 filhos nasceram em Porto Alegre.
Não dá para avaliar o legado do Floriano apenas nas áreas da saúde; foi um cidadão absolutamente envolvido no cotidiano da cidade. Difícil encontrar alguma instituição, clube e associação que não tenha a participação ativa do médico. Foi fundador e presidente da Comissão Municipal de Saúde, presidente da Sociedade Orquidófila de Gravataí (Sogra), foi da diretoria do Paladino, presidente do Alvirrubro, um dos fundadores da APAE, atuante no LIONS, um dos fundadores da Associação dos Médicos de Gravataí, dentre outras iniciativas.
Na década de 70, foi nomeado delegado da Procuradoria Geral do Estado para questões ambientais e realizou as primeiras apreensões de dragas e escavadeiras que estavam drenando o banhado do Rio Gravataí.
– O dia que eu salvei Morungava! Em 1980, fui chamado, em Brasília, para avaliar um projeto de desapropriação em massa de todas as terras e sítios do bairro para mineração de carvão. Meu parecer foi negativo, argumentei que havia uma comunidade agrícola importantíssima e fundamental para a cidade de Gravataí como um todo. O projeto foi engavetado!
Em 1973, foi eleito vereador pela Arena e no mesmo ano eleito presidente da Câmara, tendo como colegas de legislatura o vereador Badi Barcelos, Dr. Guido Francisco da Silveira, Claudio Dihl Costa, Sérgio Pereira, Rui Rosa e outros. Na política, batalhou pela construção e implementação do Distrito Industrial e da construção da sede do 17º Batalhão da Brigada Militar.
Tudo é história e tudo está ligado à história. Coincidência ou não, o nosso bate-papo foi em seu apartamento, exatamente na Rua Dr. Luiz Bastos do Prado, rua que leva o nome do amigo e colega de trabalho que o convidou para vir para Gravataí. A lucidez, vivacidade e a memória do Seu Floriano são documentos vivos e importantíssimos para nossa cidade.
O Dr. Floriano Castilhos Torres é, sem sombra de dúvida, uma das pessoas mais importantes da nossa história. Vamos celebrar 10.000 vezes: Valeu, Torres!