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- 19 de fevereiro de 2020
Padre Fabiano | Perdemos a capacidade de dialogar
No programa Roda Viva de 16 de dezembro de 2019, a jornalista Tati Bernardi, colunista da Folha de São Paulo, perguntou aos pensadores Leandro Karnal, Mário Sérgio Cortella e Felipe Pondé como ela poderia perdoar seu pai e metade da sua família por terem votado no Presidente Bolsonaro. Ou seja, na cosmovisão da jornalista, seu pai ter escolhido um candidato que, em sua opinião, não era o melhor, é matéria de pecado, e colocou seu pai numa posição de inferioridade que exige perdão. Leandro Karnal, com a sabedoria e praticidade que lhe são próprias, disse que o exercício do perdão é um exercício de poder, e quem quer perdoar, ou acha que deve perdoar alguma coisa, coloca-se numa posição de superioridade à pessoa que é objeto do perdão. Cortella disse à Sra. Bernardi que seu pai poderia lhe chamar de preconceituosa.
Ano passado passei por uma experiência marcante. Um casal de amigos, que eu conhecia há quase vinte anos, me excluíram de suas redes sociais devido à minha escolha nas eleições presidenciais. Meses depois, quando meu pai faleceu, não enviaram nenhuma mensagem de condolências. “Não queremos contato com gente do teu tipo”, disseram. Foi uma experiência marcante porque eu já tinha sido xingado e bloqueado por pessoas que não eram do meu círculo mais próximo de amizades, mas nunca por pessoas tão próximas.
Conversando aqui e acolá, ouço muitos testemunhos semelhantes. 2018 foi o ano em que a polarização no Brasil chegou ao seu ápice, e o cenário não mudou desde então. Brigas familiares, amizades desfeitas por causa de opiniões diferentes. E aí me veio à mente a frase que coloquei como titulo dessa coluna: perdemos a capacidade dialogar. Não conseguimos mais enfrentar o contraponto, o diferente. Também perdemos a noção de autoridade e hierarquia. Se não concordo, não obedeço, porque sou livre. Ou seja, também não sabemos o que significa liberdade.
A palavra diálogo significa uma discussão em duas vias, onde se tenta chegar a algum consenso, a uma síntese, ou em qual os melhores argumentos se sobressaem e levam a uma das vias mudar seu pensamento; ou ainda, o diálogo pode ser, numa relação hierárquica, entre uma pessoa que ocupa uma função de liderança e outra pessoa que exerce uma função menor, e na qual, apesar das argumentações, se sabe que o ônus da decisão cabe à função maior. Durante séculos, a dialética, método iniciado na Grécia dos filósofos e assumida pelo Ocidente medieval, era a forma de resolver “controvérsias” acadêmicas. Consistia em dois ou mais debatedores; cada um colocava sua tese, ou um iniciava a discussão com uma tese, que era contra-argumentada com uma antítese, até que se chegasse a uma síntese, ou que, à força de argumentos, uma das teses fosse a vencedora. Hoje não: não concordo, excluo. Pensa diferente de mim, bloqueio. Mas excluir e bloquear ainda são as atitudes mais leves. O comum mesmo é atacar, ofender, rotular. Fascista e comunista são as palavras mais utilizadas nas redes sociais – e tenho constatado que 99% dos que a usam não sabem o que realmente significam. Perdemos a capacidade de dialogar.
Deveríamos reaprender com os filósofos gregos a arte da dialética, voltar a ter aulas de oratória, retomarmos lições de estruturação do pensamento para melhor construir os argumentos, para que, em vez de xingamentos e ofensas, tivéssemos debates saudáveis, para que recuperássemos a capacidade de dialogar.